Fenata 50ª edição: um palco formado por personagens marcantes

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A história do teatro se mistura com a da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Em 2022, o Festival Nacional de Teatro (Fenata) completa 50 edições. Para comemorar o aniversário, público, artistas, produtores e trabalhadores do Festival relembram a história e a trajetória que transformou o Festival em um dos mais antigos e respeitados eventos de teatro do país.

Era 07 de novembro de 1973 e o primeiro Fenata começava em clima de euforia. Foi a data em que a instituição passou a ser reconhecida, oficialmente, como uma Universidade Pública brasileira. A conquista veio no dia em que acontecia a primeira edição do Fenata. “A Universidade Estadual de Ponta Grossa nasce, institucionalmente, sob o signo do Teatro”, disse o então reitor, Álvaro Augusto da Cunha Rocha, anunciando o reconhecimento da instituição pelo Conselho Federal de Educação, no auditório da reitoria da Faculdade de Ciências e Letras de Ponta Grossa – hoje, o grande auditório da UEPG Central.

Desde aquele dia, o Fenata aconteceu todos os anos de forma ininterrupta. Ao longo do tempo, envolveu público de várias gerações, além de milhares de atores, técnicos, dramaturgos, produtores, iluminadores em um universo próprio, movimentado e dominado pela arte. Um desses personagens é Francisco Acildo de Souza, o Chiquinho, que entra em cena como a mão que construiu, literalmente, parte da história do Fenata.

Já na década de 70, Chiquinho vivia dia e noite em função do Festival. “Eu passava dias sem ir para casa para dar conta de organizar tudo”, recorda. Se algumas peças do Fenata existiram, foi porque o servidor da UEPG estava lá. “Às vezes, tinham três peças no mesmo dia, entre espetáculos infantis e adultos, e o público sempre lotava o Auditório da Reitoria. Assim que acabava uma, começava a correria para preparar o palco para a próxima”.

Francisco era o responsável pela montagem e desmontagem dos cenários, pelo café da manhã e pela logística toda do Festival. A vasta experiência rendeu memórias, algumas impublicáveis, como a de um famoso ator que passou mal após beber demais e fez o espetáculo quase desmaiado, com alguém soprando o texto pelo ponto eletrônico. “Outra mais fofinha é sobre o músico Oswaldo Montenegro que, no auge da carreira, pediu apenas pão de queijo e refrigerante no camarim. Pela inesperada simpatia, até hoje o cantor é uma das figuras mais queridas entre o pessoal dos bastidores”, relata. Para Chiquinho, a importância maior do Fenata é a cultura tão diversificada que o evento trouxe à cidade.

Memórias

‘Salve-se quem puder que o jardim está pegando fogo’, peça premiada no Fenata de 1978

O palco do Fenata também ganha vida com a contribuição de Gilberto José Eleutério Zardo (1955 – 2021), professor do curso de Administração. Zardo chefiou a Diretoria de Assuntos Culturais da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Culturais (DAC-Proex), de 1977 até 2002. Foi ele que iniciou as ações culturais na Universidade, período em as atividades se realizavam somente dentro dos muros da UEPG.

De início, tudo acontecia como uma grande festa. Os grupos ficavam do primeiro até o último dia do evento. Pessoas dormiam no alojamento da UEPG, se alimentavam no Restaurante Universitário (RU) e conviviam juntos durante vários dias. “Havia peças do Acre, da Paraíba, do Rio Grande do Norte…Lembro de um grupo da Amazônia que ficou um mês na cidade até conseguir o valor para voltar para casa de ônibus. Participar era uma coisa muito de garra, de sangue mesmo”, lembra o professor e psicanalista Daniel Frances, que começou sua relação com o Festival aos nove anos de idade.

Com o tempo, o Fenata absorveu mais grupos de teatro do sul e do sudeste pelos custos de transporte no país. A movimentação do Fenata rendeu pesquisas e trabalhos de conclusão de curso na UEPG. Matheus Rodrigues, formado em Turismo, mostra em sua pesquisa que, de 2014 a 2016, o Sudeste foi a região que mais trouxe ao palco os grupos de teatro – foram 212 grupos participantes; seguido de 62 do sul; 33 do centro-oeste; e 09 no nordeste. Ainda de acordo com o levantamento do aluno, São Paulo foi o Estado que mais trouxe grupos para Ponta Grossa nos três anos, com 143 participantes, seguido do Rio de Janeiro, com 69 participantes. O Paraná trouxe 37 grupos no mesmo período.

O jornalista Juca Francisquini esteve na plateia durante a maioria das 50 edições do Festival. Enquanto estudante, fez parte do Grupo Universitário de Teatro da UEPG e, como radialista, acompanhou praticamente todas as edições. “Trabalhava como professor de matemática, química e ciências e, de repente, o rádio entrou na minha vida, justamente com uma proposta diferente, de dar espaço a essa vertente cultural na cidade”. Juca cobria o Fenata diariamente. “Todos os anos eu estava lá, com credencial, entrevistando artistas e personagens do Festival. É um evento que evidenciou nossa cidade de forma muito positiva para todo Brasil”, conta Francisquini.

Quando as luzes da grua se acenderam

O então Festival Nacional de Teatro Amador, logo que nasceu, conseguiu reunir nomes de peso, como Paschoal Carlos Magno, criador do Teatro do Estudante Brasileiro; Henriette Morineau; Bibi Ferreira; Grande Otelo; Lucélia Santos; Ary Fontoura; Paulo Autran; Humberto Magnani; Rosamaria Murtinho; Luiz Fernando Guimarães; Tânia Bondezan; Odilon Wagner; Walmor Chagas; e Denise Stoklos. Ao longo dos anos, o Fenata também contribuiu na revelação de nomes como Ulysses Cruz, Cássia Kiss, Jorge Fernando, Marcos Winter, João Falcão e Licurgo Spínola.

GTU em 1977, com a peça Um Grito Parado no Ar

Alguns personagens históricos foram essenciais para que isso acontecesse, como José Faria Moritz (1918 – 1997), ator e teatrólogo, conhecido nacionalmente pelo nome artístico de Telmo Faria. Ele foi o grande idealizador do Fenata. Como era muito querido e conhecido no meio artístico, foi responsável por trazer atores de renome, que divulgaram e colocaram o evento no calendário nacional. Telmo Faria também fundou o Grupo de Teatro Universitário da UEPG (GTU-UEPG).

Telmo voltou a Ponta Grossa em 1973 para dirigir o GTU a convite de seu primo, Álvaro Augusto da Cunha Rocha, então reitor da UEPG. Foi quando surgiu a ideia de fazer um grande festival de teatro amador. Quem conta a história é seu sobrinho-neto, Carlos Luciano Sant’ana Vargas, reitor da UEPG (2014-2018). “Já nas vésperas de iniciar o primeiro Fenata, o Telmo, num almoço de domingo em família, pediu ajuda da nossa turma para realizar o trabalho de recepção dos grupos, divulgação do Festival na cidade, atuar como contrarregra e outras tarefas”, conta.

Não é à toa que, no discurso do evento de celebração do 40º Fenata, Luciano discursava orgulhoso. “Eu também estava lá”, falou enquanto segurava o seu crachá da primeira edição, que leva o seu nome. O nome, acompanhado pela cidade, também registra o nome do grupo. “O Tubarão aí se refere a nossa turma de jovens, pois estávamos dando apoio ao Fenata a pedido do Telmo”, recorda.

O convite do almoço de família foi aceito no ato. “Aceitamos o desafio e nos divertimos muito, principalmente por poder frequentar os bastidores do Festival e conhecer de perto muitos dos convidados do Telmo e de poder estar dentro da Universidade, uma vez que naquele momento ainda éramos alunos do ensino médio”. As principais da trupe jovem era o apoio aos grupos, também constituídos na sua maioria por pessoas da mesma idade de Luciano. “Isso viabilizou amizades que perduraram por muitos outros Festivais”. Como os grupos eram amadores e de locais distantes, não havia como trazer o cenário na bagagem. “Uma das nossas tarefas era conseguir os objetos de que eles necessitavam, como roupas de época, cadeiras, candelabros, armas, quadros, janelas e tantas outras coisas”, conta.

Como diretor teatral Telmo era sempre muito enérgico, segundo Luciano. “Principalmente em fazer com que os atores universitários perdessem o sotaque ponta-grossense: nosso R puxado em porta, leite quente, por exemplo”. O sobrinho-neto de Telmo lembra que o evento mais marcante da primeira edição foi a intempestiva entrada do reitor Álvaro no recinto do Grande Auditório, no momento do encerramento de uma das peças concorrentes, para anunciar o reconhecimento da UEPG nacionalmente. “A emoção tomou conta de todos e foi uma festa só pela tão aguardada chancela do Ministério”, recorda.

Muitos dos amigos daquela turma depois ingressaram na UEPG e passaram integrar o GTU, encenando peças nas edições seguintes do Festival. “Eu não tinha talento para o palco, mas continuei trabalhando nos bastidores”. “É um orgulho imenso ter participado da mudança cultural provocada pelo incentivo que foi dado ao teatro em uma cidade do interior resistente a modernidades”, comemora Luciano. Para ele, o Fenata foi um marco divisor na área cultural de Ponta Grossa e se firmou como o maior evento da região. “Foi muito bom ter participado disso tudo”, finaliza.

Fenata de 1979, Telmo em um dos debates pós-encenação.

Ator Walmor Chagas conhece o palco do auditório da reitoria antes da apresentação no 17º Fenata

Fernando Durante recebe homenagem como pioneiro do Fenata, em 2012

A partir dessa época, sobe ao palco a figura de Fernando Durante (1958-2021), um jovem ator que participava do grupo de teatro local ‘Mergulho no Nascimento’ e passa a integrar o recém-formada trupe da UEPG. Era o início da atuação de um dos personagens mais importantes para consolidação do teatro na cidade. Ao longo de toda a vida, Durante foi um dos principais fomentadores da cultura de Ponta Grossa – idealizou o Sexta às Seis, espaço para bandas de rock em praça pública; participou da criação e organização da München Fest e do Festival Universitário da Canção (FUC). No Fenata, ganhou prêmios de melhor ator (1978) e de espetáculo infantil (1981). Foi ainda mestre de cerimônias em várias edições.

Em discurso de abertura do 45º Fenata, enquanto presidente da Fundação Municipal de Cultura, Fernando relembrou, com emoção, o nascimento do Festival. “Por aqui, passaram grandes nomes do teatro nacional, assim como despontaram grandes artistas”, disse, afirmando que, na sua trajetória de 45 anos, o Fenata venceu o tempo, as dificuldades, a censura e a ditadura.

Telmo Faria entre Clea Simões e Henriette Morineau

Ao longo dos anos, Durante colecionou amigos que compartilham as memórias do Fenata. Em julho de 1976, o professor da UEPG, Antonio José Camargo, conheceu Fernando. O amigo relembra da participação de ambos no Fenata de 1979. “O Fenata naquele ano foi bem tumultuado, pois não queriam deixar o DCE participar. Depois de muita discussão, o DCE entrou com a peça ‘A cara do povo do jeito que ela é’ e, para surpresa de todos, Fernando com uma grande atuação ganhou o prêmio de melhor ator”.

A presença de Durante nos Festivais da UEPG era figura carimbada. “Desde esse dia não deixei de acompanhar os FUCs e Fenatas e sempre quando entrava no teatro, quer da reitoria ou do Cine Ópera, lá estava o apresentador, Fernando. Jamais deixou de me saudar como uma das pessoas que iniciou o evento. Sempre acompanhávamos como se fosse o primeiro”, relata Camargo.

 “Aos 15 anos, conheci Fernando Durante, no grupo de teatro Mergulho no Nascimento. No ano seguinte, já ingressei na UEPG e passei a dirigir o grupo universitário”, recorda Daniel Frances. “Minha mãe me levou a um espetáculo impressionante, que marcou minha vida para sempre: ‘Seis personagens a procura de um autor’. Ali eu me extasiei e vi a mágica do teatro acontecer”, conta.

Daniel Frances acompanha o Fenata desde os 9 anos de idade e participa da organização da 50º edição

Daniel também participou ativamente da primeira fase do Fenata, nos tempos de Telmo Faria e da Ditadura Militar no Brasil. “Houve muitos episódios em que a peça programada não se apresentou porque a censura proibiu. Uma semana antes da estreia, precisávamos ir até Curitiba pedir autorização para a Polícia Federal. Vinha um oficial, lacrava o auditório e ninguém mais fica dentro, além da gente e da tia do cafezinho”, relata.  O professor conta que o policial carimbava página por página do texto. “Era muito angustiante aquela expectativa de que ele fosse cortar alguma parte”.

Casa de ferreiro, espeto de pau? Para Marina Durante, filha de Fernando, a premissa não valeu na casa da família. “O teatro e a arte eram uma das maiores paixões do nosso pai. Nossa vida sempre foi pautada em torno de cultura e ele sempre fez questão de que a gente participasse ativamente junto”, conta. Desde pequena, Marina acompanhou, junto da família, shows, teatros e apresentações artísticas que o pai promovia. No Fenata não foi diferente. “Acompanhávamos desde peças de rua infantis até as noites no Cine-Teatro Ópera”.

Foi do Fenata e do teatro que a família Durante nasceu. “Ali ele conheceu nossa mãe e do teatro nossa família aconteceu”, recorda. A lembrança fica marcada na memória da família, antes dela ser constituída como tal. “Quando nosso pai era solteiro, e alguns anos após casar com a nossa mãe, ele era ator e participava todos os anos do teatro desde 1976”, explica. A maioridade de Durante veio com um presente: a primeira participação no Fenata, com a peça ‘O julgamento de Joana D’arc’, a qual lhe que rendeu o prêmio de melhor ato da edição, em 1973. No decorrer dos anos, outras peças entraram no currículo do ator Fernando, como ‘Flicts’, com o grupo teatral Mergulho no Nascimento. A partir dos anos 90, entrava o papel espectador ativo, com debates e conversar com diretores.

Nem tudo eram flores na vida de Fernando. “Meu pai sempre contou que quando eles faziam teatro, no final do período da ditadura, existiam censuras aos textos e todas as apresentações eram submetidas a vistorias de um censor da Polícia Federal”, explica Marina. O oficial em questão ficava responsável por ouvir e ver as apresentações antes da estreia, o qual censurava frases e momentos da peça que julgava ofensivos aos valores que que a ditadura defendia. Somente a partir da liberação a peça poderia ser apresentada ao público. “Muitas vezes o texto era modificado pela censura e as frases perdiam sentidos, assim, prejudicando o desenvolvimento das peças”, afirma.

O tempo da ditadura

Em seu trabalho de conclusão de curso ‘A censura não tem endereço: a censura à peça O Assalto, de José Vicente de Paula, no Fenata (Ponta Grossa, Anos 1970)’, de Emanuelly Foppa analisa a censura da primeira década do Fenata. “Não importava a localização, a grandeza do Festival ou até mesmo se o evento era iniciante ou de tradição, a censura sempre agia da mesma forma com todos as atrações que estivessem enquadradas nas Diversões Públicas”, informa.

O controle começava logo na inscrição. “Era preciso uma ficha com quantidade de pessoas no elenco e tinha como regra não ultrapassar 12 pessoas, incluindo assistentes técnicos e diretor”, conta Emanuelly. Ainda, era necessário o detalhamento das disposições técnicas, como uma cópia do texto da peça, que seria montada juntamente com a equipe da Censura Federal, além da concessão de direitos autorais pela Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. “Essa questão da documentação da liberação da censura era algo realizado em todo o território brasileiro”, pontua.

A peça ‘O Assalto’, objeto de análise de Emanuelly, foi apresentada no Fenata em 1975 e depois novamente na edição de 1977. “Nessa peça, o relatório do SNI alertava “o risco” que ela trazia e elenca os motivos que levam a essa conclusão: peça pornográfica; exalta o homossexualismo; infla operários contra patrões; ataque as estruturas sociais vigentes; ataque a polícia; e tentativa de rebelar a classe bancária”, mostra. O texto que passou pela censura teve cortes em palavras e em trechos inteiros. “Os trechos que receberam cortes correspondem a períodos da peça que fazem críticas a estruturas sociais e conflitos de classes, além de críticas ao sistema de coerção, violência policial e a homossexualidade, que é unanimidade nos cortes feitos à peça”, conclui.

Nas três primeiras edições do Fenata, a hospedagem dos artistas acontecia nas dependências do 13° Batalhão de Infantaria Blindado de Ponta Grossa. A atitude era uma forma de controle de vigilância dos grupos teatrais, segundo Emanuelly. “Quando a censura é exercida, você altera a liberdade criativa da peça e, por consequência do autor, também a liberdade de improvisação do ator e a liberdade do diretor, então, nada passa sem algum controle”, finaliza.

O Fenata apresentou muitas peças ao longo da década de 70 e 80 algumas, antes de chegarem até a cidade, geraram grande repercussão nacional, dentre elas podemos citar: Cordélia Brasil de Antônio Bivar; À Flor da Pele de Consuelo de Castro; Quando as Máquinas Param de Plínio Marcos e Toda Nudez Será Castigada de Nelson Rodrigues.

O Fenata surgiu com propósito acadêmico, mas também político e cultural, em pleno regime militar, conforme explica o diretor geral do Museu Campos Gerais, Niltonci Batista Chaves. Segundo ele, o Festival, desde seu nascimento, se configura como um espaço de resistência, a partir da arte. “Nosso acervo conta com materiais de diversas origens, como cartazes, documentos, textos de peças e registros que comprovam o enfrentamento do Fenata à situação política brasileira e à censura, sobretudo, das décadas de 1970 e 1980. Isso é muito importante para mostrar esse espaço de luta social e cultural a partir de um festival de teatro”.

Participações

O jornalista Hélcio Kovaleski escreveu resenhas e críticas dos espetáculos teatrais de 2003 a 2012, para o jornal Diário dos Campos e para a revista D’Pontaponta. Ele também acompanhou, desde a década de 1980, a agitação cultural que o Fenata gerava. Kovaleski é autor do livro ‘Festival Crítico: uma década escrevendo sobre o Fenata (Festival Nacional de Teatro)’, que reúne um  compilado das publicações feitas por ele. 

Segundo Hélcio, o Fenata trouxe espetáculos que estão entre os melhores que assistiu na vida. Para ele, o teatro tem o condão de transformar as pessoas. “O conceito de espetáculo bom é aquele que te perturba, que você leva para casa e fica com ele por muito tempo, pensando”.

Kovaleski é autor do livro ‘Festival Crítico: uma década escrevendo sobre o Fenata (Festival Nacional de Teatro)’

Uma das peças que impactou o crítico teatral foi apresentada em 2009. “Naquele ano, o Festival trouxe um espetáculo primoroso chamado ‘Porque a Criança Cozinha na Polenta’, da Companhia Mugunzá, de São Paulo (SP), dirigido por Nelson Baskerville. A montagem foi baseada no diário de uma húngara que era abusada pelos próprios pais e se suicidou. Olha o peso do tema! Mas a peça fez daquilo um poema contemporâneo, com suavidade e dureza”.

Quando o espetáculo começou, o público fez um silêncio ensurdecedor até o encerramento, relembra. “Eu via gente chorando, gente tremendo, embevecida, paralisada, tinha todo tipo de reação. Quando terminou, demoraram intermináveis 15 segundos para as pessoas começarem a bater palma, de tão impactante que foi a montagem. Houve uma catarse que eu nunca havia presenciado na vida”.

A peça ganhou todos os prêmios daquela edição e voltou no ano seguinte como hor concurs, sem participar da competição. Kovaleski ressalta que o Fenata, desde a primeira edição, tem o caráter de premiação – característica que faz dele um dos únicos do gênero no Brasil. Ele destaca também outros pontos altos na história do evento. “A formação de plateia e os debates após as peças permitiam uma riquíssima troca com o público, a imprensa e os grupos teatrais. Sem falar nas festas, no antigo Clube Dante Alighieri, que reuniam o povo todo do Fenata e eram inesquecíveis. Amanhecíamos ao som das bandas do rock nacional, que estava em plena efervescência”. 

Nova vida ao Fenata

Peça ‘A Moratória’, vencedora da primeira edição do Fenata, em 1973.

Em 2002, os professores Paulo Roberto Godoy e Ítalo Sérgio Grande assumiram a reitoria da UEPG e decidiram reformular os eventos culturais da Universidade, dentre eles, o Fenata. O professor Cláudio Jorge Guimarães, do Departamento de Educação Física, foi convidado a assumir a Diretoria de Assuntos Culturais da Proex com esse objetivo.

No período entre 2002 e 2012, o Festival recebeu o papel de romper os muros da academia. A intenção, segundo Cláudio, “era de que os eventos da Universidade passassem a ser eventos da cidade de Ponta Grossa”. Para encarar o desafio, o então diretor procurou pessoas que tinham participado ativamente do Fenata, para ajudar a repensar o evento. Fizemos várias reuniões, com pessoas como Juca Francisquini, Fernando Durante, Alfredo Mourão, Toninho do Vale, Cláudio Mendel, Gilvan Balbino, Américo, Antônio Thomal, Larissa de Castilho, Andrea Fermino, Francisco Acildo, Wilton Paz, Eduardo Gusmão e diversas outras, que contribuíram para o processo de renovação e transformação do Fenata como um todo”.

Cláudio Jorge Guimarães, coordenador do Fenata de 2000 a 2012.

O novo roteiro para o Fenata fez com que a UEPG conseguisse estabelecer parcerias com outras instituições, como o Colégio Marista, que permitiu que peças para crianças passassem a ser realizadas no Teatro Marista. Segundo Cláudio, a oportunidade viabilizou um maior e melhor atendimento ao público infantil, com as escolas da região sendo convidadas a trazer seus alunos. “A entrada sempre foi gratuita. A intenção também era a formação de público para o teatro”, frisa.

Em 2003, foi iniciada a Mostra de Rua, ocupando o espaço da Rua Coronel Cláudio, com as pessoas da comunidade sendo convidadas a parar e observar o que estava acontecendo. Diferentes grupos de teatro interagiam com as pessoas que passavam pelo calçadão e, a cada ano, se criava a expectativa de quais novidades o Fenata traria na edição seguinte. No mesmo ano, a Divisão de Assuntos Culturais buscou a inclusão social por meio do teatro, com a criação da Mostra Especial, com apresentações do Grupo Teatral De 4 no Ato, do Rio de Janeiro.

Peça ‘A Farsa do Bumba-meu-boi’ que inaugurou a Mostra de Rua. Gilvan Balbino (em pé) atualmente é jurado do Fenata.

Gilvan Balbino, diretor, dramaturgo e ator, lembra bem da primeira participação da companhia ‘De 4 no Ato’ no Fenata, com a peça ‘A Farsa do Bumba-meu-boi’. “Ficamos tão apaixonados pelo Festival que, no ano seguinte, voltamos e criamos junto com o Cláudio Guimarães a Mostra Especial que, para minha felicidade, existe até hoje, levando peças, contação de histórias, espetáculos de circo, dentre outras manifestações artísticas para muitos lugares da cidade, democratizando o acesso a toda a população e a convidando para vivenciar o teatro”. 

Os espetáculos foram levados a diversos espaços, como Centros Municipal de Educação Infantil, escolas públicas municipais e estaduais, Hospital da Criança (Hospital Universitário Materno-Infantil), Lar das Vovózinhas, Centro da Pastoral da Juventude, Casas de Idosos, Jovens com uma Missão (Jocum), Centro de Atenção Psicossocial (Caps), Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (Caic), Aldeia David Federmann, Casa Marillac, Cidade dos Meninos, Toca das Corujinhas, Centro de Referência em Assistência Social (Creas), Sentinela, Associação de Proteção aos Autistas (Aproaut), Recanto Maria Dolores, Casa do Menor Irmãos Cavanis, Grupo do SOS, Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), Associação Pontagrossense de Assistência à Criança com Deficiência (APACD), Serviço Social do Comércio (Sesc) e Associação Atlética Banco Brasil (AABB). A Mostra Especial também teve apresentações nas cidades de Carambeí e Palmeira.

Outro projeto foi a criação da Mostra Paralela, com grupos teatrais da melhor idade, incluindo apresentações em outras cidades da região, bem como uma Mostra Alternativa, com grupos de teatro de Ponta Grossa e Campos Gerais, com apresentações em diferentes locais.

História em continuidade

A partir de 2006, o Fenata mudou de casa. Os espetáculos para adultos passaram a ser realizados no espaço do Cine-Teatro Ópera, com o dobro da capacidade de público e totalmente revitalizado. Segundo Cláudio, a mudança proporcionou mais infraestrutura e melhores condições técnicas para os grupos e para a população. “As novidades continuaram a fazer parte do Fenata. Criamos a Mostra Dez em Cena, com espetáculos mais intimistas, ocupando a Sala B do Cine-Teatro Ópera, com espetáculos às 22h”, conta. Ele lembra que, na mesma época, foi criado o espaço para Teatro de Bonecos, bem como a abertura do Teatro para Crianças aos domingos, como nova opção de lazer para as famílias.

Apresentação de peça do Fenata, em 1994

O Fenata nasceu em um ambiente universitário. Quando era realizado no auditório da UEPG, o público chegava em massa para esperar abrir a porta. Nelson Silva Junior, coordenador geral do Fenata 2022 e atual chefe da DAC-Proex, não esquece a grande emoção, tanto por parte da plateia quanto dos grupos que se apresentavam. “As pessoas se sentavam no corredor, quase na boca de cena, transferindo para os atores uma energia que só o teatro tem”.

As pessoas que assistiam às peças saíam do Festival estimuladas, segundo Nelson. “Ficavam motivadas a montar e participar de grupos de teatro, fazer cursos, e isso movimentava toda a cidade, como algo novo e diferente no ar.  E é justamente esse espírito que a edição histórica do Festival quer despertar novamente no público”.

Auditório lotado para o Fenata. Na primeira fila: Padre Miguel e Padre Marjan (professores de Sociologia, vinculados ao Departamento de Educação / UEPG). Na segunda fila, de óculos e vendo um folheto: professor Daniel Albach Tavares, terceiro reitor da UEPG.

Para Nelson, a Universidade tem um papel necessário ao facilitar e instigar o interesse das pessoas pelo teatro. “É importante lembrar que o teatro foi o primeiro que deu voz para as minorias, quando nenhum outro espaço dava voz para mulheres e pessoas LGBTQIA+. A arte do teatro é transformadora e muda a vida das pessoas. Com ela, as pessoas começam a entender e a ver a vida de uma outra maneira”, ressalta.

O próprio professor Nelson participou como ator do Festival, em 1983, época em que cursava Engenharia Civil.  Ele também fazia parte do extinto Grupo de Teatro Universitário e antecipa uma grande novidade: “Agora, nesta comemoração de 50 anos, vamos anunciar a retomada das atividades do grupo de teatro”.

Para o Reitor da UEPG, Miguel Sanches Neto, ao longo das décadas, o evento se tornou de toda a comunidade, ganhando uma dimensão social muito importante. “E assim chegamos a 50 edições, com grandes empresas parceiras, com uma equipe comprometida, com um público que consome espetáculos como forma de intensificar a própria experiência existencial. O Fenata foi e é resistência pelo culto à vida. A arte não envelhece jamais”.

Telmo Faria recebe homenagem do professor Odeni Vilaca Mongruel. Sentada está a atriz Henriette Morineau conversando com o teatrólogo e diplomata Pascoal Carlos Magno. Ao lado dela, à esquerda, o reitor Álvaro Augusto Cunha Rocha. O registro foi feito durante uma das primeiras edições do Fenata.

Apoiadores

Ao longo de sua história, o Festival contou com o apoio de diferentes pessoas, empresas e instituições. Destaque para Rodonorte, Caixa Econômica Federal, Supermercados Tozetto, Trator New, Trator Case, Colégio Marista, Colégio SEPAM, Prefeitura Municipal de Ponta Grossa, Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Institucional, Científico e Tecnológico (FAUEPG), Secretaria Municipal de Cultural e para a cobertura da imprensa local, em todos os veículos.

A edição comemorativa dos 50 anos é realizada pelo Ministério do Turismo, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e Fundação de Apoio à UEPG (FAUEPG), com patrocínio da GMAD, Deragro – empresa do Grupo Lavoro, Belgotex do Brasil, Tratornew e Shopping Palladium. Conta ainda com o incentivo da Prefeitura de Ponta Grossa, por meio da Secretaria Municipal de Turismo (Setur) e Conselho Municipal de Turismo (Comtur). O Fenata tem o apoio da Secretaria Municipal de Cultura, Teatro Marista Pio XII, Fecomércio – Sesc Estação Saudade e Museu Campos Gerais; e promoção da RPC.

A Mostra de Teatro – 50º Festival Nacional de Teatro (Fenata) começa no dia 7 de novembro com o espetáculo Tudo. Acesse a programação completa aqui.

Confira a galeria de cartazes do Fenata ao longo dos anos

Texto: Jéssica Natal e Sandrah Souza Guimarães / Fotos: Fábio Ansolin e Acervo UEPG


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