Crítica do Fenata: Quem tem medo (do snark?)

Compartilhe

Os alunos do curso de Letras da UEPG estão preparando textos de crítica sobre os espetáculos da 47ª edição do Festival Nacional de Teatro (Fenata). As críticas são orientadas e revisadas pela professora Paola Scheifer. Sobre a peça “Em Busca do Snark Invisível”, participante da Mostra Infantil na tarde de sábado (26), leia a crítica:


Quem tem medo (do snark?)

O grupo Magnólia Cultural trouxe para o 47º Fenata a experiência da fantasia e do nonsense de Lewis Carrol, na peça Em busca do Snark invisível. Com direção de Fagner Rodrigues e texto de Lucas Sancho, a peça foi apresentada na Mostra Infantil do festival. A trupe se dedica a um espetáculo cheio de música, poesia, cores, dança e interação. Cinco personagens – Capitã Sineira, o Chapeleiro, o Banqueiro, o Açougueiro/Padeiro e um castor – cantam a aventura pelos mares do desconhecido em busca de uma certa criatura, o Snark, um monstro que ninguém sabe como é, onde está e se realmente ele existe ou não.  

“Snark é tudo balela, monstro que ninguém viu”, afirma a Capitã, mas a busca pelo Snark se apresenta como principal objetivo de cada um que compõe a inusitada tripulação. O conflito das diferentes personalidades se apresentam como primeiro obstáculo para se cumprir a missão. Como lidar com aquilo que é diferente de nós mesmos? Como aceitar que dependemos de alguém a quem julgávamos incapaz? Como levar a sério uma capitã que se orienta por um mapa em branco? Os insólitos companheiros de aventura enfrentam a provação das diferenças como se isso fosse uma tempestade em alto-mar.

Devo dizer, no entanto, que há um elemento que os une: o medo. Todos, de alguma forma, têm medo da criatura Snark. Em se tratando de um monstro indefinido, cada um o encara de uma forma diferente por meio de seu medo. A viagem, então, se faz como um desafio aos temores, como se a busca pelo Snark fosse sinônimo da busca particular de cada um de enfrentar aquilo que mais teme. É importante destacar aqui que a descrição do monstro parte da plateia formada majoritariamente por crianças. Quem melhor que elas para descrever o temido Snark? Que lugar ocupa o medo no universo infantil? Medo do escuro, medo do monstro embaixo da cama, medo de fantasma… Como vencer o medo? Em busca do Snark invisível propõe uma divertida forma de se aventurar por esse universo de temores da infância. 

O encorajamento do público se dá pelo questionamento da ameaça a qual Snark foi submetido. Nesse momento, o Snark não é mais um perigo, mas vítima de uma acusação aparentemente injusta. Julgar o desconhecido ou o diferente cria monstros muito maiores e mais ameaçadores que um polvo gigante de muitos braços capaz de devorar embarcações. A peça nos leva a perceber que o pré-julgamento e a não aceitação do diferente é uma questão a ser enfrentada. Nesse sentido, as personagens dão voz a um discurso de respeito e mútua aceitação. E o Snark? Respeito é o que o ele quer.

Com um tom alusivo a todo o universo de Lewis Carrol, a exemplo do clássico Alice no país das maravilhas, a peça apresentada pelo grupo Magnólia Cultural é a descoberta de um mundo onde imaginação, respeito e amizade se constituem como o grande elo das personagens que buscam coragem para enfrentar os seus maiores medos e desafios. O FENATA, ao acolher produções como Em busca do Snark invisível, possibilita à criança participação ativa, integrando-a na arte milenar que é o teatro. Em um mundo tomado pela incredulidade e desesperança, a magia da encenação é uma das portas que se abre para a constituição subjetiva da criança. 

O mapa em branco, apresentado pela capitã, no início do espetáculo, convoca o público a abrir-se ao exercício imaginativo e decisório de qual caminho seguir. Nessa perspectiva, o norte da embarcação é sempre uma direção que cabe à escolha de cada um. A autonomia dada à imaginação e ao processo criativo dos espectadores faz com que seja possível inventar não somente a criatura Snark, como, também, estratégias para derrotá-la. 

A peça interpela a criança à sua condição de sujeito no mundo. Para onde a embarcação deverá seguir? Este é o questionamento mobilizador do conhecimento de mundo que a criança traz consigo, motivando-a a assumir o lugar de capitão ou capitã de sua própria nau, a qual se lança cotidianamente à aventura, em busca dos monstros desconhecidos.

Leonardo Sienkiewicz Carrera Guisantes, graduando do 3º ano de Letras Português/ Espanhol pela Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Foto: Luciane Navarro


Compartilhe

 

Skip to content