Crítica do Fenata: De loucuras de amor a caretices

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Os alunos do curso de Letras da UEPG estão preparando textos de crítica sobre os espetáculos de todas as noites da 47ª edição do Festival Nacional de Teatro (Fenata). As críticas são orientadas e revisadas pela professora Paola Scheifer. Sobre a peça “Queijo e Goiabada: das canções”, participante da Mostra Adulto na noite de quarta (23), leia a crítica:


De loucuras de amor a caretices

Através de um novo olhar, a obra “Romeu e Julieta”, de Willian Shakespeare, se tornou um eco de costumes para a peça “Queijo e Goiabada: das canções que você não autorizou pra mim”, da companhia rio-pretense Cia. Cênica. A peça narra, de uma forma cômica e com um pé na atualidade, a história de jovens amantes que se entregam à morte por não poderem viver seu amor. Com uma sonoplastia riquíssima e muitas referências ao metateatro, o espetáculo é construído com a participação do público e não se prende ao palco, retomando aspectos do teatro popular.

Desde o seu início, no saguão de entrada do Cine Teatro Ópera, a peça demonstra seu caráter dialógico ao estabelecer relações com aspectos histórico-político-sociais  contemporâneos. Distribuindo ao público petiscos de mortadela e coxinhas, os personagens expõem o subtexto do espetáculo e direcionam os olhares ao seu ponto principal. As relações adversas entre as duas famílias da obra clássica se configuram, no contexto atual, nas relações igualmente conflituosas entre diferentes crenças e posicionamentos políticos que ganharam força nos últimos anos.

Contando com uma cenografia simples, mas muito bem aproveitada, a peça é construída por discursos falados e, também, por músicas. Músicas essas trazidas do repertório do “rei” Roberto Carlos, este, também, representado fisicamente no palco, em um plano elevado, sob a forma de um esqueleto, que atua também como príncipe Escala, incumbido de julgar as ações dos personagens. A obra shakespeariana demonstra o amor de dois jovens, que desistem da vida por não poderem viver seu amor em consequência das constantes brigas entre as suas famílias, sempre focando no amor de Romeu e Julieta. A reconstrução da Cia. Cênica traz um ponto de vista diferente nesse aspecto, criticando o fato do sentimento amoroso ser o foco principal, em detrimento aos crimes e acontecimentos antiéticos, que são deixados de lado.

Ao trazer como subtítulo uma referência ao espetáculo da Focus Cia. De Dança, “As canções que você dançou pra mim”, inspirado na obra de Roberto Carlos, a companhia rio-pretense deixa claro seu posicionamento em relação ao “rei”. A companhia citada, realizou apresentações em Nova York e teve uma crítica publicada no The New York Times (2014). O crítico Brian Seibert escreveu que as canções do cantor “tem peso emocional para quem cresceu ouvindo-as, porém, para os demais, parecem cópias inferiores”. Além disso, notícias já apontaram que Roberto Carlos foi condenado por plágio da música “O Careta”, lançada em 1987. Assim, as canções de amor de Roberto mascaram seu passado e seus crimes tal como o amor de Romeu e Julieta mascaram os crimes cometidos por suas famílias nas interpretações feitas de Shakespeare.

Por outro lado, beirando à ambiguidade, a peça traz também a crítica às constantes divergências entre famílias e grupos sociais, defendendo o ponto de vista de que a vida humana é mais importante que conflitos gerados por posicionamentos políticos distintos ou questões raciais e religiosas. Assim como as brigas entre os Montecchio e os Capuleto, o ódio não deixa nem mesmo o amor existir, tornando-se, assim como na peça, o túmulo que sempre irá enterrar amantes e sonhadores.

Por meio de celulares, adereços contemporâneos em cena e da própria construção do enredo, indo do clássico ao moderno em um constante diálogo, cria-se uma ligação entre os diferentes tempos dos enredos. Essa ligação é o fio condutor que leva o público a perceber a problemática dessas divergências de costumes e suas consequências através do tempo. Fazendo uso do humor, a peça recria a tragédia da obra de Shakespeare e a ressignifica.

Assim, além de risos, o espetáculo propõe reflexões, demonstrando coragem em um cenário político tão inflamável. A poesia da obra não se prende ao presente, porém, não fica no passado, os tempos se digladiam por espaço, assim como o texto com as músicas, criando um ambiente tanto familiar quanto longínquo para quem assiste. Com isso, Romeu e Julieta ganha mais uma abordagem, mais uma grande interpretação, tornando-se cada vez mais próxima do público e agradando muito àqueles que estão dispostos ao destronamento de reis.

Texto: Murilo Mayer, graduando do terceiro ano do curso de Letras Português/Inglês da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Foto: Aline Jasper


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