16º Simpósio Jurídico dos Campos Gerais discute o uso da Inteligência Artificial no Direito

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Sérgio Kukina já era promotor de Justiça do Ministério Público do Paraná, em meados da década de 1980, quando usou pela primeira vez um fax, uma novidade tecnológica que acelerava o envio de documentos e mudava o ritmo do trabalho no sistema de Justiça brasileiro. Depois vieram o celular, o computador, a internet. Hoje, como Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e presidente da 1ª Turma da Corte, Kukina vê na inteligência artificial um novo ponto de virada. Foi com esse tema que ele encerrou o 16º Simpósio Jurídico dos Campos Gerais, realizado no Campus Centro da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) entre os dias 1º e 5 de setembro. Com o tema “O paradigma da inteligência artificial e das transformações digitais no Direito”, a programação contou com minicursos, mesas-redondas, apresentação de trabalhos e palestras magnas.

Na opinião de Kukina, que ministrou a palestra intitulada “Poder Judiciário e a Inteligência Artificial Humanizada”, o uso dessa tecnologia no Direito é irreversível. “Não se trata mais de perguntar: a inteligência artificial veio para ficar? Não, não tem mais volta”, disse. Para ele, o desafio está em como usar esse recurso. O Ministro ressaltou que a inteligência artificial pode ampliar a produtividade dos tribunais, mas que o ganho não pode se limitar a números. “É bem-vindo se um juiz, em vez de produzir 200 sentenças por ano, conseguir produzir 2 mil. Mas nós não podemos perder a qualidade do trabalho a ser entregue, e isso dependerá do uso adequado que venhamos a fazer, com a observância de critérios éticos”, afirmou. Segundo ele, cabe aos profissionais do Direito conferir os resultados entregues pelas máquinas. “A máquina nos ajuda muito, mas a palavra final será dada pela pessoa. O ser humano é indispensável. Ele tem o dever ético de conferir o resultado que lhe é entregue pela inteligência artificial”, disse.

Natural de Curitiba, o ministro lembrou de sua ligação acadêmica com Ponta Grossa, cidade onde já lecionou. “Fico muito feliz quando recebo convite para voltar a esta cidade que aprecio tanto. Só não tive o privilégio de ser promotor em Ponta Grossa, mas é parada obrigatória para mim”, afirmou. Kukina destacou que a oportunidade de palestrar em universidades e o contato com estudantes da graduação é motivo de satisfação pessoal. “A saudade do magistério é grande, por isso sempre que posso, gosto de encontrar acadêmicos, ouvir suas dúvidas e compartilhar experiências. Para nós, que já estamos mais maduros, é muito valioso esse contato”, disse. O ministro ressaltou ainda que espera ver, no futuro, os alunos da UEPG no mercado de trabalho. “Estamos aguardando avidamente o ingresso desses alunos, seja como advogado, defensor público, promotor, delegado, juiz, mas sempre trabalhando com responsabilidade. E seria uma grande alegria se um dia o Superior Tribunal de Justiça pudesse acolher um egresso da UEPG”, declarou.

16º Simpósio Jurídico

Organizado pelo Centro Acadêmico Carvalho Santos (Cacs) e pelo Setor de Ciências Jurídicas da UEPG (Secijur), o evento reuniu estudantes, professores e profissionais do Direito. Segundo a professora Adriana Timóteo, diretora do Secijur, o Simpósio é o maior evento do setor e funciona como espaço de formação além da sala de aula. “É a oportunidade de apresentar trabalhos, muitas vezes a primeira experiência dos alunos em um evento científico. A escolha do tema e dos palestrantes sempre parte de consulta aos estudantes, e neste ano o assunto mais pedido foi a inteligência artificial no Direito”, explicou.

A palestra de abertura foi ministrada pelo advogado e professor Rodrigo Luís Kanayama, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que trouxe o tema “O Futuro do Direito na Sociedade Algorítmica” e refletiu sobre o impacto direto da inteligência artificial na carreira dos futuros profissionais da área. “Teremos uma nova realidade tecnológica, que vai trazer dificuldades para quem está acostumado com o Direito hoje. Vamos ter que rediscutir questões ligadas à privacidade, à personalidade das pessoas e a temas que atualmente parecem ficção científica, mas que em breve serão muito reais”, afirmou. Kanayama observa que tarefas simples tendem a ser assumidas pelas máquinas, o que elevará o nível de exigência para quem ingressar no mercado de trabalho. “Cada vez mais, o mercado vai exigir profissionais com mais expertise, ou seja, profissionais que realmente sejam extremamente qualificados e que tenham um grau de experiência muito elevado. A IA vai facilitar muito o trabalho mais simples, e por isso a pessoa que pretende exercer uma atividade terá que estar muito mais preparada para poder mostrar que faz diferença”, avaliou.

O reitor da UEPG, professor Miguel Sanches Neto, considera que a IA não é uma promessa de futuro, mas uma realidade. “Não é que a inteligência artificial vá modificar a nossa vida. Ela já modificou a nossa vida, já modificou as formas de conhecimento, o ensino e a nossa percepção da realidade. Nós já estamos num processo em que os algoritmos fazem parte das nossas tomadas de decisão. Muitas vezes imaginamos que temos autonomia, quando na verdade já estamos dentro de um processo em que a inteligência artificial já interfere”, avaliou. Sanches Neto ressaltou a urgência em aprofundar a discussão sobre o tema diante do impacto crescente da IA em diferentes áreas. “Debater inteligência artificial é extremamente urgente. Precisamos fazer isso com rapidez para que possamos mudar, se for o caso, o curso de nossas atuações, seja em sala de aula, seja na pesquisa, seja na prática profissional. Muito se fala de inteligência artificial, mas ainda conhecemos muito pouco sobre ela e os impactos que terá em nossas vidas e profissões”, afirmou. Segundo ele, as universidades devem ter um papel central nesse debate. “É preciso levar em consideração os limites éticos que devem ser definidos para que possamos usar essas ferramentas em prol do conhecimento, da cidadania e da transformação social”, defendeu.

Centro Acadêmico

O reitor destacou ainda a importância do Simpósio para a UEPG e o papel histórico do Centro Acadêmico Carvalho Santos (Cacs) na consolidação do curso de Direito. “Uma Universidade que tem um centro acadêmico grande igual o de vocês é uma universidade privilegiada, porque pode contar com a mobilização mais importante que a gente tem, que é a mobilização acadêmica estudantil em prol da melhoria da qualidade dos nossos cursos”, afirmou.

A coordenadora do curso de Direito noturno, professora Márcia Santos da Silva, também destacou o papel do Cacs na organização do Simpósio. “Foi uma semana maravilhosa para a comunidade acadêmica e para o curso de direito da UEPG. Nós devemos os créditos da organização ao Centro Acadêmico, que assume a dianteira há anos e realizou mais uma vez um evento de excelência”, afirmou.

Para  os presidentes da atual gestão do Cacs, os estudantes José Vitor Rocha, Flávia de Paula Blonski e Ligiana Laurentino Bittencourt, o resultado do Simpósio é motivo de orgulho. “A base do evento é feita por alunos, o que é fundamental para pensar o protagonismo estudantil. Acho que conseguimos entregar uma edição boa, com temáticas condizentes com o que a gente propunha. O Centro Acadêmico não permite reeleição, então eu fico muito feliz de estar entregando um evento assim, que toda a gestão pensou com muito carinho, abraçou e deu certo”, disse José. Flávia ressaltou a importância do evento para os alunos da graduação: “O Simpósio é um evento que une acadêmicos, professores e nomes de prestígio no Direito. É uma oportunidade de aprofundar temas que nem sempre aparecem nas atividades regulares e também de fazer contatos profissionais. Para mim, organizar o evento foi um grande aprendizado, tanto acadêmico quanto pessoal”. Ligiana lembrou que foram sete meses de preparação, e que ver a boa recepção do público confirmou o esforço coletivo: “Nada sai exatamente como planejado, mas conseguimos resolver tudo na hora. É gratificante ver que o pessoal gostou, que os avaliadores elogiaram os trabalhos, inclusive de alunos do primeiro ano, e que conseguimos trazer nomes importantes, como o ministro Kukina”.

Apresentações de trabalhos e minicursos

Como parte da programação do Simpósio, os minicursos reuniram acadêmicos de Direito nas manhãs de segunda e quarta-feira. O delegado Fernando Henrique Ribeiro Vieira, responsável pela Delegacia do Adolescente de Ponta Grossa, encontrou uma sala cheia para falar sobre a Polícia Civil e a investigação de atos infracionais. Cyberbullying, pejotização, violência obstétrica e oversharenting foram alguns dos temas dos demais minicursos e que mostram a variedade de possibilidades para os alunos. Ádillan Soares, aluno do primeiro ano de Direito, aproveitou a oportunidade para participar. “Estive em um curso de tokenizacão de Direito Imobiliário, e vou participar de um sobre crimes digitais. Então, são temas bem diferentes e que não são comuns na sala de aula. É algo que vai estar presente nas nossas vidas profissionais”, conta Ádillan.

Durante o Simpósio, Ádillan também vivenciou a experiência de integrar a equipe de apoio do Cacs e apresentar seu primeiro trabalho acadêmico. “Eu apresentei um resumo expandido na área da inteligência artificial, um tema que já queria escrever desde o começo do ano e acabou coincidindo com o tema do simpósio. Foi muito interessante a experiência de apresentar para uma banca, já prepara a gente para o TCC lá no quinto ano”, afirmou. A participação na organização do evento reforçou em Ádillan a percepção de que o envolvimento estudantil abre caminhos desde os primeiros anos de graduação. “Tive oportunidades que muitos alunos do primeiro ano não têm, provavelmente em outras faculdades não conseguiriam ter. Acho que foi muito construtivo e estou animado para os próximos simpósios”, completou.

Texto: João Pizani, com apoio de André Packer | Fotos: João Pizani e André Packer


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