Wilson Comel: uma vida de dedicação à UEPG

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Ao longo dos mais de 50 anos da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), algumas pessoas foram fundamentais para que a instituição se consolidasse como referência em ensino público, gratuito e, sobretudo, de qualidade. As histórias das pessoas, por vezes, se confundem com a própria história da UEPG. Mas, dessas, poucas são aquelas que marcaram diferentes gerações de acadêmicos, como fez o professor Wilson Jerônymo Comel.

Recentemente, seu nome e sua história foram rememorados no prédio do Núcleo de Práticas Jurídicas da UEPG (NPJ), que foi batizado com o nome do professor Wilson J. Comel, aquele que, entre tantos feitos, ajudou a fundar o curso de Direito da UEPG. Na ocasião, em 20 de junho de 2022, para descerrar a placa com o nome do professor Comel, a família reuniu-se. Contudo, naquele momento, não só a esposa, filhos e netos faziam parte da família, mas também alunos, colegas e amigos. Todos os presentes celebraram no ato simbólico a vida e legado do professor, uma trajetória capaz de comover e arrancar lágrimas, mesmo de quem não o conheceu, apenas por ouvir naquele momento o resumo de sua vida e as falas emocionadas dos filhos e colegas. 

Sentadas próximo à placa com o nome do pai, as filhas se emocionavam deixavam transbordar a saudade e carinho por ele desde o início da cerimônia. Era dado o momento de relembrar e prestar homenagem ao professor Comel. Nascido em 20 de junho de 1930, em Lagoa Vermelha, no Rio Grande do Sul, Wilson J. Comel era o terceiro filho de Angelo Comel e de Maria Busato. Quando criança, estudou no Colégio Nossa Senhora Medianeira, em Boa Vista do Erechim (RS) e no Colégio Regente Feijó, em Ponta Grossa. Depois, foi ao Internato do Colégio Marista Paranaense, onde concluiu o Ensino Fundamental e o Ensino Médio.

Em Curitiba, formou-se em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 1959. No mesmo ano de sua formatura, aos 29 anos de idade, casou-se em Caçador, Santa Catarina, com Nelsina Elizena Damo. Com a esposa, Wilson J. Comel estabeleceu-se em Ponta Grossa, onde passou a advogar e iniciou a atividade de docência na UEPG. No primeiro ano, lecionou Economia Política e no ano seguinte assumiu a cadeira de Direito Civil, na qual permaneceu até 2002, quando estava com 72 anos de idade. Também lecionou Legislação do Idoso na Universidade Aberta para a Terceira Idade da UEPG durante muitos anos.

Na UEPG, Comel foi membro do Colegiado do Curso de Direito; do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão; do Conselho Universitário; professor supervisor do projeto de extensão “Criança, Adolescente e Sociedade: um compromisso da UEPG”; supervisor editorial da Revista Jurídica, entre inúmeras outras atribuições, sempre a serviço da instituição. Comel também integrou comissões julgadoras de concurso público para provimento de cargos de docente junto à Universidade Estadual de Maringá e UEPG.

Nas formaturas de seus alunos, o professor sempre foi muito querido. Comel foi Paraninfo das turmas de Direito da UEPG em 1965, 1969, 1973 e 2004, além de nome de turma em 1989 e 1994. 

O vínculo com a UEPG entrelaçou-se na vida de Comel de tal forma que se reflete na família. A esposa, Nelsina Elizena Damo Comel, advogada e doutora em Filosofia, também atuou como professora na UEPG. Wilson e Nelsina tiveram seis filhos: Neide; Marcos; Martha; Lorena; e Paola e Denise que são professoras da UEPG. O professor Comel faleceu em Ponta Grossa, em 3 de agosto de 2020, aos 90 anos.

No ato do descerramento da placa que denomina o prédio do Núcleo de Práticas Jurídicas da UEPG como “Centro Jurídico Professor Wilson J. Comel”, a filha Denise Damo Comel falou em nome da família do homenageado:

Magnífico Reitor, professor Miguel Sanches Neto, em nome de quem cumprimento as demais autoridades presentes já nominadas;

Minha Mãe Nelsina e irmãos queridos, em nome dos quais também falo.

Senhoras e Senhores,

Wilson Comel era uma mente inquieta – tal qual o título que ele escolheu para seu primeiro e único livro: Lagariço – frutos de uma mente inquieta.

Permanentemente pensante e questionador, tinha um modo certeiro de abordar um problema, uma questão ou desafio qualquer. Ele fazia a seguinte indagação: qual é o ponto? Do que se trata aqui? E a partir da resposta ia destrinchando o que quer que fosse até chegar no cerne, na essência, no ponto da questão. E daí para a solução era um estalo de dedos.

Então, fizemos a mesma indagação a respeito do que nos caberia compartilhar neste momento, em que este edifício recebe o nome de Centro Jurídico Professor Wilson J. Comel.

Qual é o ponto aqui? Do que se trata?

Trata-se, ao nosso ver, de uma deliberação institucional que perpetua, com elevada distinção, a memória de um professor que aqui fez história, deixando-nos um legado de tal envergadura, que justificaria, assim, tão ímpar deferência.

E o significado da homenagem se agiganta quando lembramos que ele, nas inúmeras vezes em que foi reverenciado como Mestre – atributo reservado a pessoas de excepcional saber – afirmava, com indisfarçável orgulho, que se a tal chegara, era certamente em virtude da oportunidade que teve de se dedicar ao ensino do Direito Civil nesta instituição.

De fato, desde os primeiros tempos em que começou a lecionar, recém-saído da Universidade, já se mostrava um professor diferenciado, extremamente compromissado com a missão de ensinar, aquele que preparava cada aula com esmero e dedicação, também minuciosa pesquisa. Levava tão a sério seu mister que logo passou a ser visto como um professor extremamente severo – o que de fato era, mas movido pelo grande senso de responsabilidade com a formação dos futuros bacharéis.

E assim, aos poucos, suas lições foram se tornando magistrais. Na sala de aula, reinava absoluto. Já nos corredores, surgia o professor amigo, o piadista e brincalhão. Nas provas, implacável, as notas eram contadas em décimos, não exageraria se fossem até mesmo centésimos. Mas até mesmo os reprovados em Direito Civil pelo Comel acabavam reconhecendo o mérito do professor. Todos, de qualquer forma, davam seus pulos em Direito Civil.

Nesse contexto, foi firmando a imagem do professor sábio, erudito, compromissado, de espírito elevado, mas também amoroso e paternal – tanto é que não raro conhecia seus alunos pelo nome; por eles vibrava, torcia, se enternecia com emoção genuína.

E dizemos genuína porque ele também era notadamente autêntico, também direto e assertivo, inclusive avesso a bajulações.

Em contrapartida, também foi a sala de aula um dos lugares em que ele se realizou mais intensamente. Nesse espaço, em especial, encontrou solo favorável para canalizar aquela inquietude de alma, expressada na ânsia de propagar a compreensão do Justo, do dar a cada um o que é seu; o ideal de formar profissionais pensantes, críticos, desassossegados com as injustiças do mundo, cidadãos de bem, atuantes na sociedade.

Desconhecemos outro espaço em que ele tenha concretizado de forma tão plena seus mais elevados ideais e vocação, que não a sala de aula. Seu compromisso incondicional com a formação dos novos bacharéis, aliados à sua retidão de caráter, seu espírito de liderança, seu raciocínio aguçado, afiado, questionador foram os vetores de sua atuação docente.

Depois da paternidade – disse ele num dos muitos discursos que fez por aí – ser professor é a mais digna das funções humanas. O que dizer então do professor de Direito, das faculdades de Direito, de sua enorme capacidade e condição de influir, de interferir nos rumos da sociedade e, via de consequência, na política que nos rege.

Esse era o professor Comel. Um idealista e um apaixonado.

Como pai, não foi diferente. Criou cada um de seus 6 filhos com rigor, abnegação e uma paixão inflamada. Com ele aprendemos a importância do estudo e o valor do trabalho, que in medio virtus, (no meio a virtude) – palavra de ordem em nossa casa – que na vida nada se conquista sem esforço, que vale a pena ser honesto, que devemos agir com retidão de conduta, praticar a caridade, sermos gratos pela vida, que também devia ser vivida intensamente.

Muito mais que um pai ou educador, ele foi um exemplo e um Mestre, na exata acepção da palavra.

Eis o nosso ponto então: a homenagem de se atribuir ao edifício do Núcleo de Práticas Jurídicas o nome “Centro Jurídico Professor Wilson J. Comel” não é menos do que gigante ao homem que ele foi. Uma honra. Distinção sem precedentes à memória dele e à herança intelectual e ética que nos deixou.

Homenagem que ainda se alinha ao alto significado político-social dos projetos que neste Centro são desenvolvidos: o Núcleo Maria da Penha, na defesa das mulheres vítimas de violência doméstica; o Núcleo de Estudos e Defesa de Direitos da Infância e da Juventude atuante na Defesa dos Direitos da Infância e Juventude, tão caros ao professor Comel; oCentro Judiciário De Soluções De Conflitos E Cidadania, que tanto tem colaborado para a promoção da paz na sociedade; o Núcleo de Estudo e Acompanhamento das Execuções Penais, em prol dos apenados locais.

Assim também o inspirador projeto de pesquisa: Observatório Processual do Superior Tribunal de Justiça, oportunidade de atualização constante, do estudo crítico permanente, tão próprios à academia jurídica.  

Enfim, eu, Denise, sua filha, meus irmãos Neide, Marcos, Martha, Lorena e Paola, que também foi sócia dele e hoje segue carreira docente nesta casa, juntos de nossa mãe, Nelsina, que foi o grande amor e inspiração da vida dele e que igualmente construiu uma sólida e não menos honrosa carreira acadêmica, agradecemos fortemente emocionados a homenagem, ao mesmo tempo em que fazemos votos de que este Centro Jurídico Professor Wilson J Comel seja espaço permanente de formação acadêmica de excelência e realização de elevados ideais de Justiça.

Concluo, ‘roubando’ dele uma citação de Alceu Amoroso Lima – que como ele dizia: cai como mão à luva a esse momento:

O passado não é aquilo que passa…  é aquilo que fica do que passou.

Obrigada”.

Texto: Cristina Gresele | Fotos: Jéssica Natal / Divulgação

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