Projeto da UEPG analisa zoonoses relacionadas a javalis em parques do Paraná

Compartilhe

Em meio à vegetação nativa do Parque Estadual de Vila Velha, um cercado de madeira é uma espécie de armadilha para capturar javalis que circulam por ali. Ao mesmo tempo, no Centro de Visitantes, um grupo de enfermeiros coleta amostras de sangue dos funcionários do Parque. À primeira vista, as duas atividades pareceriam desconexas, mas fazem parte do mesmo projeto de pesquisa, coordenado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), em parceria com o Instituto Água e Terra (IAP), Secretaria do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo (Sedest), Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Instituto Carlos Chagas – Fiocruz Paraná, com financiamento da Fundação Araucária.

O projeto é voltado para a Saúde Única, a integração entre saúde humana, saúde animal e o ambiente. São várias ações: o mapeamento da fauna nativa e exótica das Unidades de Conservação do Paraná, o controle da população de javalis (Sus scrofa), a análise das doenças na vida selvagem dos parques e das zoonoses nos servidores que convivem com esses animais.

São quatro cercados no Parque Estadual de Vila Velha, cada um em uma área diferente. Em meio à mata, coberto por árvores; em um descampado; próximo a um arroio; e em uma área mais limpa, próxima a uma vertente. A equipe estuda ainda instalar em outros locais, para ampliar a área de abrangência. O professor Leandro Lipinski, médico veterinário e chefe do departamento de Medicina da UEPG, passa pelos quatro cercados e verifica se algum javali foi capturado, além de repor o milho utilizado para atrair os animais. Em um dos cercados, ele aponta a pegada no chão enlameado: “Ele pisou aqui, olha, em cima da minha pegada de ontem. Passou por aqui, mas não comeu o milho para acionar a armadilha. Bicho astuto!”. Em outro cercado, as pegadas pequenas são de outra espécie: passaram por ali um grupo de catetos (Pecari tajacu). Não foi dessa vez.

Depois de capturado, o animal é abatido e são coletadas amostras de sangue, para verificar as doenças com que o javali teve contato. Na UEPG, o projeto é coordenado pelo professor Giovani Marino Favero, pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação, e participam também o professor Leandro e os professores Denilton Vidolin, do Departamento de Biologia, e o professor Renato Bach, do Departamento de Medicina, além da colaboração de servidores do Hospital Universitário. “O projeto envolve essa relação do homem com o meio ambiente, uma relação sempre em mudança”, aponta o professor Giovani. “Nós temos um animal exótico, que foi inserido nesse meio ambiente e já está naturalizado em todo o país, e agora a questão é verificar como essa interação interfere na resposta imunológica desses indivíduos que trabalham nos parques e estão no ambiente rural”.

Juarez Baskoski, chefe da Unidade de Conservação pelo IAT, conta que nos últimos anos houve um aumento expressivo no número de animais dentro da unidade de conservação e que há a necessidade de se fazer o controle. Hoje, há cerca de 400 javalis nos 3122 hectares do Parque Estadual de Vila Velha. “Notamos que esse animal, além de muito agressivo, começou a tirar os animais silvestres de dentro do parque. Isso nos preocupou muito”, conta Juarez. “Ele também começou a vir próximo aos paredões, onde o turista circula. Por isso, nos sentimos fortalecidos com essa parceria, por poder acompanhar semanalmente a vida desse animal, tanto dentro da unidade de conservação, quanto fora, nas propriedades do entorno”.

Além do Parque Vila Velha, o estudo também acontece no Parque Estadual Mata dos Godoy (Londrina), Parque Estadual Mata São Francisco (Cornélio Procópio), Parque Estadual do Lago Azul (Campo Mourão), Parque Estadual de São Camilo (Palotina) e Parque Estadual Campinhos (Tunas do Paraná). No Paraná, são 46 Unidades de Conservação Estaduais de Proteção Integral, mas os pesquisadores explicam que a escolha das áreas foi baseada na presença dos javalis e seu impacto no ecossistema local.

Em uma área revirada por javalis, professores Giovani Favero e Leandro Lipinski, da UEPG; Alexander Biondo, da UFPR, acompanhados pelo gerente do Parque Vila Velha pelo IAT, Juarez Baskoski

A presença de espécies exóticas invasoras está entre as principais causas diretas e indiretas de perda de biodiversidade e extinção de espécies, juntamente com mudanças climáticas e no uso da terra. Por isso, o controle populacional e a retirada dos javalis das Unidades de Conservação são recomendados pelos órgãos de meio ambiente, como o IAT e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Segundo o Ibama, os javalis são uma das 100 piores espécies exóticas invasoras do mundo, por conta da sua agressividade, facilidade de adaptação ao ambiente e pelos danos causados a fontes de água, à vegetação e à fauna nativas.

“É indiscutível, cientificamente, o impacto negativo que os javalis causam”, explica o professor Alexander Biondo, do departamento de Medicina Veterinária da UFPR. Ele é pesquisador do projeto há pelo menos cinco anos, e conta que já foi possível compreender uma série de problemas causados pelos javalis para a fauna nativa, seja pela presença física, seja pela circulação de doenças, com risco até mesmo para os servidores dos parques estaduais. “Esse impacto se dá principalmente por competir por alimento com outras espécies, além de fazer circular mais doenças, predispondo a nossa fauna nativa frágil a essas doenças. Agora, vamos realizar testes de diversas zoonoses, para que tenhamos uma medida correta do risco da fauna e das pessoas que circulam nesses locais”.

A médica veterinária e pesquisadora Louise Bach Kmetiuk explica que outros estudos já observaram que o nicho ecológico dos javalis se sobrepõe ao de espécies nativas, como o cateto. Ela conta ainda que os javalis potencialmente transmitem para outros animais ou para seres humanos doenças como a Febre Maculosa Brasileira, Doença de Aujeszky, Toxoplasmose, Leptospirose, Encefalite Equina, Leishmaniose, Brucelose e Neosporose.

Como parte da parceria, a coleta de exames incluiu ainda uma amostra de saliva dos servidores do Parque, para a realização de testes para detecção da Covid-19. A testagem, do tipo RT–PCR, que detecta o material genético do vírus, faz parte de um estudo da UFPR que visa identificar pessoas contaminadas e assintomáticas, como medida para evitar a propagação da doença.

Texto, vídeo e fotos: Aline Jasper | Fotos dos animais: cedidas pelos pesquisadores


Compartilhe

 

Skip to content