Com Ciência, vamos vencer a pandemia: pesquisas apontam a ineficácia do ‘kit covid’

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Como parte da campanha “Com Ciência, vamos vencer a pandemia”, a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) traz argumentos e a manifestação de especialistas e professores da instituição sobre o chamado “kit covid”. A Ciência garante: ainda não há medicamentos que tenham efeito de prevenção ou tratamento precoce de Covid-19.

O chamado “kit covid”, composto por drogas como a cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina, supostamente poderia ser utilizado como tratamento precoce para a doença causada pelo novo coronavírus. No entanto, esses medicamentos não têm eficácia comprovada sobre a Covid-19 e têm seu uso contraindicado por instituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Associação Médica Brasileira (AMB). A contraindicação não impede que o médico prescreva, após informar ao paciente que se trata de um tratamento off-label, ou seja, fora das indicações da bula. Os remédios, caso usados indiscriminadamente, podem causar graves efeitos colaterais, como arritmias cardíacas, danos ao fígado, desenvolvimento de superbactérias e até dificuldade para acordar da sedação.

Esta matéria faz parte de uma campanha capitaneada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa sobre a importância da Ciência para o combate à pandemia. Como os temas abordados são alvo frequente de notícias falsas, as publicações nas redes sociais da UEPG (Facebook, Instagram e Twitter) trazem fontes confiáveis e informações seguras divulgadas em estudos científicos ou por órgãos reguladores.

Argumentos

  1. Falta de evidências científicas de qualidade sobre o uso dos medicamentos do “kit de tratamento precoce” para Covid-19.

Como apontam as professoras Jaqueline Carneiro e Ana Paula Veber, do departamento de ciências farmacêuticas da UEPG, os principais medicamentos oferecidos no “kit covid” não possuem eficácia comprovada conta Covid-19. A Ivermectina, antiparasitário, foi capaz de inibir o crescimento do vírus somente em estudos utilizando cultura de células, mas em doses muito maiores do que as usadas em humanos. “Além disso, em estudos com seres humanos, evidências não demonstram benefícios ou piora dos quadros com o medicamento”, reforçam as professoras.

Ainda quanto à ivermectina, a médica infectologista Gabriela Gehring aponta que “a dose para potencial benefício encontrado in vitro é 100 vezes a utilizada na prática clínica. Além disso, há limitações nos ensaios randomizados disponíveis e estudos de corte retrospectivos, devido à amostra pequena, diferentes esquemas de doses, medicamentos associados (hidroxicloroquina e azitromicina) e desfechos mal definidos”.

Da mesma forma, os medicamentos antirreumáticos hidroxicloroquina e cloroquina não mostraram benefícios aos pacientes hospitalizados, apesar de apontarem alguma eficácia em estudos em células. “A hidroxicloroquina não melhora a evolução clínica e aumenta o risco de mortalidade e aumento do tempo de internação, segundo o estudo Recovery. Estudo brasileiro publicado no New England Journal of Medicine, analisando a associação da hidroxicloroquina com a azitromicina em pacientes com doença leve e moderada, também não mostrou benefício”, relata Gabriela. 

No caso da azitromicina, antibiótico utilizado para tratamento de infecções bacterianas, os estudos clínicos realizados até o momento não mostraram nenhum benefício clínico significativo no tratamento da Covid-19.

  1. Problemas de segurança relacionados ao uso irracional de medicamentos

“O uso inadequado de medicamentos pode trazer sérios prejuízos ao sistema de saúde – o qual não precisa de maiores problemas no contexto atual. Por exemplo, existe forte recomendação contra o uso profilático de antibióticos pela OMS, pois pode aumentar as taxas de resistência bacteriana, podendo ter consequências graves”, apontam as professoras Jaqueline Carneiro e Ana Paula Veber.

No caso da cloroquina e hidroxicloroquina, os eventos adversos são expressivos, especialmente os efeitos cardiovasculares. Os medicamentos podem causar arritmia cardíaca, agravada ainda mais no caso da Covid-19, já que a doença causada pelo novo coronavírus também afeta o coração, provocando inflamações do músculo cardíaco e trombose nos vasos e tecidos.

Outros órgãos afetados pela Covid-19 e que podem ser ainda mais comprometidos pelo uso indiscriminado de medicamentos são os rins. A ivermectina, caso usada em altas doses, pode causar lesão renal, além de depressão do sistema nervoso central e lesão hepática.

  1. Várias organizações mundiais não recomendam o uso dos medicamentos citados.

Posicionam-se contra o “tratamento precoce” a Food and Drug Administration (FDA), Organização Mundial da Saúde (OMS), o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos e da Europa, Agência Europeia de Medicamentos (EMA), US National Institutes of Health, Infectious Diseases Society of America, National Health Service (o serviço de saúde pública do Reino Unido), entre outros. No Brasil, dentre as entidades que já se posicionaram contra o uso se destacam a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Sociedade Brasileira de Infectologia, o Conselho Federal de Farmácia e Associação Médica Brasileira.

A médica infectologista Gabriela Gehring, que atua no Hospital Universitário da UEPG, na Santa Casa de Misericórdia de Ponta Grossa e no Hospital Municipal de Ponta Grossa, reforça que a maior parte das instituições global e nacionalmente respeitadas não recomenda o uso do “kit covid”. “Nenhum grande grupo europeu, americano ou brasileiro indica essas medicações para tratamento de pacientes com Covid-19. Grandes hospitais como Sírio Libanês, Albert Einstein e HC-USP também não recomendam”, aponta. 

Em nota publicada nesta terça (23), a Associação Médica Brasileira (AMB) defendeu o banimento da utilização de fármacos como hidroxicloroquina/cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina e colchicina, entre outras drogas, no tratamento da Covid-19. Segundo o documento, essas medicações “não possuem eficácia científica comprovada de benefício no tratamento ou prevenção da Covid-19, quer seja na prevenção, na fase inicial ou nas fases avançadas dessa doença”. O texto é assinado por dezenas de entidades médicas, entre elas a Associação de Medicina Intensiva Brasileira e a Sociedade Brasileira de Infectologia.

  1. Uso de recursos públicos

Como indicam as professoras do Departamento de Ciências Farmacêuticas, a verba pública destinada ao controle da pandemia é limitada. Por isso, as especialistas defendem que as decisões devem ser tomadas para priorizar a utilização de recursos públicos com estratégias validadas, como a vacinação.

Em Ponta Grossa, vereadores apresentaram o Projeto de Lei Municipal 35/2021, que busca disponibilizar gratuitamente kits de medicamentos para o “tratamento precoce” de Covid-19 na rede SUS. Em nota divulgada nesta quinta-feira (25), a Associação Pontagrossense de Farmacêuticos se posicionou contra o projeto de lei. A nota da entidade reforça: “Nossa solicitação é de que todos os esforços dos entes e representantes públicos municipais sejam unânimes em direção à possível aquisição e garantia de acesso às vacinas para toda a população de Ponta Grossa. Havendo restrições ou impedimentos legais para que os recursos públicos municipais sejam utilizados para a aquisição de vacinas contra a Covid-19, que estes recursos sejam destinados para as medidas reconhecidas cientificamente como eficazes para a manutenção e fortalecimento dos serviços de saúde de Ponta Grossa, como: aquisição de equipamentos de proteção individual, equipamentos e materiais de suporte (respiradores, monitores multiparamétricos, entre outros) e medicamentos utilizados para intubação (bloqueadores neuromusculares, sedativos e analgésicos)”.

  1. Procura tardia de atendimento médico; alto número de pacientes hospitalizados que fizeram uso destas medicações

Segundo a infectologista Gabriela Gehring, muitos pacientes internados fizeram uso destas medicações, o que não evitou a internação nem o agravamento dos quadros clínicos. Em outros hospitais, a situação relatada é a mesma. Diretores de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) de hospitais de referência como o Hospital Albert Einstein e o Hospital de Clínicas de São Paulo reforçam a gravidade dos casos e os altos índices de pacientes graves que tomaram o “kit covid”. Além disso, os médicos relatam que pessoas que fazem uso do “tratamento precoce” tendem a procurar atendimento médico mais tarde, por acreditar que estão protegidas do vírus. 

“Infelizmente, ainda não temos nenhuma medicação realmente eficaz para o combate do vírus”, alerta a médica infectologista. “A melhor forma de prevenção é o uso de máscaras, distanciamento social, higiene das mãos e vacinação”.

Texto: Aline Jasper
Revisão Técnica: Jaqueline Carneiro e Ana Paula Veber
Foto: Diego Vara / Agência Brasil

Estudos 

  1. No início de maio, um estudo feito nos Estados Unidos mostrou que a hidroxicloroquina não melhorou o quadro de pacientes hospitalizados com Covid-19. O artigo foi publicado no “New England Journal of Medicine”.
  2. Também em maio, uma pesquisa feita na China mostrou que o remédio não funcionava em casos leves a moderados. O estudo saiu no “The British Medical Journal”.
  3. Em junho, uma pesquisa com 821 pacientes mostrou que a hidroxicloroquina também não funcionava para prevenção da Covid-19. Também foi publicada na “The New England Journal of Medicine”.
  4. Em julho, uma pesquisa feita nos Estados Unidos reforçou o achado de que a hidroxicloroquina não funcionava em casos leves de Covid; publicada na “Annals of Internal Medicine”.
  5. No mesmo dia, um ensaio coordenado pela Universidade de Oxford associou a hidroxicloroquina ao agravamento de casos de Covid-19 e mortes.
  6. Ainda no mesmo mês, no dia 22, dois novos estudos publicados na ‘Nature’ mostraram que a cloroquina e hidroxicloroquina são ineficazes.
  7. A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) também divulgou posicionamento afirmando que a hidroxicloroquina deveria ser abandonada no tratamento da Covid-19.
  8. Em fevereiro deste ano, a fabricante da ivermectina, a farmacêutica Merck, disse que os dados disponíveis não apontavam a eficácia do remédio contra a Covid.

EM DEFESA DA CIÊNCIA:

MANIFESTO DOS SETORES DE CONHECIMENTO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA

Os Setores de Ciências Biológicas e da Saúde (SEBISA), de Ciências Exatas e Naturais (SEXATAS), de Ciências Humanas, Letras e Artes (SECIHLA), de Ciências Jurídicas (SECIJUR), de Ciências Sociais Aplicadas (SECISA) e de Engenharias, Ciências Agrárias e de Tecnologia (SECATE), representando os 39 cursos de graduação, bem como os Programas de Pós-Graduação de Mestrado e Doutorado afetos a eles, motivados pelo iminente colapso do sistema de saúde no Município de Ponta Grossa e pela discussão da proposta do Projeto de Lei Municipal nº 35/2021 na Câmara dos Vereadores, que versa sobre a distribuição com recursos públicos de kits de medicamentos para o tratamento precoce da COVID-19, vêm por meio deste documento se manifestar pelo repúdio a qualquer tentativa de utilizar os recursos públicos para a aquisição de medicamentos visando à profilaxia ou ao tratamento precoce da COVID-19, porque há evidências científicas para afirmar, de forma categórica, que NÃO HÁ MEDICAMENTOS EFICAZES E SEGUROS PARA SUSTENTAR UMA POLÍTICA PÚBLICA DE REALIZAÇÃO DA PROFILAXIA OU DE TRATAMENTO PRECOCE DA COVID-19.

Portanto, defendemos a importância das ações de enfrentamento à pandemia, preconizadas não apenas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como também por outras instituições regulamentadoras em saúde nacionais e internacionais, bem como em conformidade com a Associação Brasileira de Medicina (ABM), Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e entidades representantes de classes de profissionais de saúde, que já se manifestaram inúmeras vezes afirmando que a utilização destes medicamentos, além de causar uma série de efeitos adversos que podem agravar o estado de saúde do paciente, NÃO exime as pessoas da obrigatoriedade de respeitarem as medidas de prevenção preconizadas pela OMS.

É importante destacar que as medidas propostas por estas organizações são fruto de evidências científicas comprovadas e não se confundem com meras opiniões difundidas nas redes sociais.

As medidas sanitárias de higiene, como a lavagem das mãos e/ou o uso de álcool a 70%, associadas com o uso correto de máscaras, o respeito ao distanciamento social e a manutenção de ambientes arejados são as formas já comprovadas de se evitar a transmissão do novo Coronavírus.

Os Setores de Conhecimento da UEPG possuem cursos de graduação e de pós-graduação de excelência nacional, os quais sempre se destacaram pela formação de profissionais em todas as áreas do conhecimento, inclusive na área da saúde que está sendo bastante demandada neste momento, e que são financiados a partir de recursos originados da população. Por conta disso, há um sério compromisso da Instituição em promover a inserção no mercado de trabalho de seus alunos e alunas, a partir de uma sólida formação técnica, humanística, crítica e reflexiva, pautada na CIÊNCIA, para o desempenho de suas atividades de promoção à melhoria da qualidade de vida da população.

Com pesar constatamos que a insuficiente oferta de vacinas no país não se deu por conta de seu custo, nem à falta de recursos orçamentários, nem por conta de eventual indisponibilidade, mas sim por falta de prioridade atribuída à vacinação.

Acreditamos que a adoção das medidas aqui preconizadas contribuirá para acelerar a retomada da economia, pois QUANTO MAIS A PANDEMIA PERSISTE, MAIS O CIDADÃO PERDE, uma vez que a queda da arrecadação tributária dificulta a execução de políticas públicas, a sobrevivência dos pequenos negócios e a manutenção e geração de empregos.

Os Setores de Conhecimento da UEPG abrigam um corpo docente que exerce suas atividades na pesquisa, na extensão e na prestação de serviços à comunidade, sempre pautadas em EVIDÊNCIAS científicas de qualidade, que reforçam a NECESSIDADE E URGÊNCIA DA AQUISIÇÃO DE MAIS DOSES DE VACINAS para imunizar a maioria da população, o que resultará na contenção da transmissão da COVID-19 em Ponta Grossa, e, por isso, defendem que todos os recursos disponíveis sejam destinados ao programa de vacinação para atendimento mais amplo da população ponta-grossense, para a manutenção das medidas de restrição que são indispensáveis neste momento de agravamento da pandemia, buscando intensificar as campanhas para que a população cumpra as medidas higiênico-sanitárias e de distanciamento social, ao passo que se entende como DESCABIDA A UTILIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS SEM COMPROVAÇÃO CIENTÍFICA DE EFICÁCIA E SEGURANÇA PARA O TRATAMENTO PRECOCE DA COVID-19.

Os membros dos diferentes Setores de Conhecimento da UEPG também manifestam pesar às pessoas que perderam familiares, amigos e seus entes queridos e também seu profundo respeito e admiração aos profissionais de saúde e a toda equipe de apoio que atua de forma incansável no sistema de saúde, em especial ao Hospital Universitário Regional dos Campos Gerais (HU – UEPG), que tem se destacado como referência regional no cuidado às pessoas infectadas pela COVID-19. Aos profissionais de saúde que atuam em Ponta Grossa e região dos Campos Gerais, enfrentando com bravura a pandemia causada pelo novo Coronavírus, a mais irrestrita solidariedade.

Ponta Grossa, 29 de março de 2021

Setor de Ciências Biológicas e da Saúde (SEBISA)

Setor de Ciências Exatas e Naturais (SEXATAS)

Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes (SECIHLA)

Setor de Ciências Jurídicas (SECIJUR)

Setor de Ciências Sociais Aplicadas (SECISA)

Setor de Engenharia, Ciências Agrárias e de Tecnologia (SECATE)


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