Pesquisa da UEPG aponta que pandemia agravou a insegurança alimentar em Ponta Grossa

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A pandemia trouxe mais fome para Ponta Grossa. Pesquisa realizada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) aponta que 97% de famílias atendidas pelo Centro de Referência de Assistência Social (Cras) ficaram em situação de insegurança alimentar durante a pandemia. O estudo ainda identificou que 76% das famílias estão em condição de extrema pobreza – especialmente em lares chefiados por mulheres. O relatório completo foi entregue à Prefeitura Municipal de Ponta Grossa na tarde desta quinta-feira (17).

Os dados são resultado do relatório de estudo ‘Fome e Pandemia: Um Estudo em Ponta Grossa’, elaborado pelo Grupo de Pesquisa Questão Ambiental, Gênero e Condição de Pobreza, pertencente ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas, em parceria com a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). A pesquisa buscou mapear os impactos da pandemia da Covid-19 na segurança alimentar da população, com base em uma amostra probabilística de 302 famílias, as quais representam a população atendida com o benefício eventual de auxílio alimentação do município.

“Se a gente contar com o número de pessoas em um núcleo familiar, são mais 15 mil pessoas contempladas nesse estudo”, explica Augusta Pelinski. A professora destaca que, durante o estudo, foi possível identificar a feminização da pobreza – de todos os domicílios chefiados por mulheres, 95% estavam na condição de pobreza e 78% na extrema pobreza, contra 85% e 56%, respectivamente, dos domicílios cujos responsáveis são homens. “Isso para nós é importante porque, dentro da construção da política pública, que é o nosso principal objetivo, queremos que ações práticas sejam efetivadas”, ressalta.

A professora Mirna de Lima Medeiros, coordenadora do grupo de pesquisa, destaca que o estudo traz dados que podem embasar a tomada de decisão de gestores para atender uma população que está chegando aos níveis mais graves da fome. “A execução da pesquisa propiciou muito aprendizado coletivo relacionado ao tema do estudo, sobre o desenvolvimento de pesquisa com rigor ético e científico, e sobre a própria forma de como lidar com o outro em um contexto delicado e autorreflexões importantes a todo profissional”, salienta.

Para avaliar o consumo alimentar das famílias, o grupo utilizou um recordatório de 24 horas, sobre todos os alimentos e bebidas consumidos no dia anterior à entrevista. “Nós observamos que as pessoas estavam pedindo mais nos sinaleiros, nas ruas e isso trouxe uma preocupação muito grande para o grupo”, conta a professora Édina Schimanksi. A discussão sobre o tema iniciou com uma pesquisa sobre insegurança alimentar em mulheres que trabalham como catadoras de material reciclável na cidade. “Por isso, buscamos caracterizar, entender e monitorar como estava esse processo da fome, porque já estávamos formulando discussão anteriores”.

O desemprego também foi um dos fatores analisados na pesquisa. De todos os desempregados, 37% perderam seus postos de trabalho após o início da pandemia. Ainda, na análise dos diferentes graus de insegurança alimentar, a pesquisa mostra que 49% das famílias ficaram em insegurança alimentar grave após o início do surto de Covid-19. “A pesquisa traz dados científicos que dão visibilidade a gravidade da situação de inúmeras famílias no município com relação a fome”, enfatiza a professora Sandra Scheffer. Os dados mostram que a situação impacta em várias áreas do desenvolvimento, conforme explica a professora. “Por isso é importante a retomada de alguns programas sociais, bem como a criação de novos, para auxiliar a população. Estes programas devem atingir a população de forma descentralizada, chegando às áreas mais vulneráveis”.

O relatório completo pode ser consultado aqui.

Participação

Os dados foram obtidos por meio da aplicação de um questionário em novembro, dezembro e janeiro, com integração de alunos da graduação e pós-graduação, residentes e professores. O mestrando Lincon Mioduski Ferreira conta que, durante a aplicação dos questionários, foram criadas métricas para a interpretação dos resultados. “Percebemos que o município, por mais que possua uma política assistencial vigente, deve reavaliar seu modelo de eficiência e eficácia, pois percebemos que a fome está dilacerando nossa comunidade”.  A UEPG pode auxiliar na tomada de decisão dos gestores públicos, através de estudos técnicos, diz Lincon. “Esperamos que os impactos para a cidade sejam imediatos, pois o relatório provou, com farto arcabouço documental, que as pessoas em maior vulnerabilidade socioeconômica e habitacional pioraram seu estado de insuficiência alimentar após a pandemia. E a fome não espera, ela mata”, enfatiza.

A particularidade do estudo, segundo a graduanda Hellen Vitória Silva, foi o contato com a comunidade local  por meio das entrevistas. “Os resultados, lamentável e surpreendentemente, demonstram que quase a totalidade dos entrevistados encontram-se em situação de insegurança alimentar, especialmente pela notável redução de renda ocasionada pelos efeitos do novo coronavírus”, explicita. O objetivo de mostrar os dados para o poder público foi motivar a formulação e o aperfeiçoamento de políticas públicas. “O que se espera é que atitudes e estratégias sejam tomadas para transformar a realidade de uma significativa parcela de munícipes, que obviamente não deve ser ignorada”.

“A Universidade, sobretudo a pública, a partir de conhecimentos científicos e técnicos, pode oferecer subsídios para o Governo Estadual, Federal e Municipal, que direcionem ações que resultem em bem-estar da população”, informa a professora Eliana Aparecida Fagundes Bartolozo. De acordo com ela, a Universidade e sua comunidade acadêmica também são beneficiadas com essa conexão com a sociedade, sobretudo a população mais vulnerável. “A participação da UEPG tem fundamental relevância na implantação de programas que erradiquem o grave problema da fome na nossa população. E não só para a produção de novas políticas, mas também para monitorar políticas já existentes”.

Entrega

A entrega do relatório aconteceu no gabinete da Prefeitura, com presença de representantes do grupo de pesquisa e gestores do poder público. Na ocasião, o grupo sugeriu maneiras de se combater a fome das famílias em situação de pobreza, com criação de novas políticas públicas e fortalecimento das existentes. “Muitas das observações e sugestões feitas já estão contempladas no nosso plano de metas. A fome não pode ser relegada a segundo plano, esse é um tema que deve ser tratado com rapidez, pois quem tem fome não pode pensar em outra coisa”, declara o representante da prefeita, Edgar Hampf.

O reitor pró-tempore da UEPG, Silvio Rutz da Silva, destaca a importância da relação da Universidade com o poder público na construções de soluções nos problemas da sociedade. “Uma ação como essa pode ser potencializada com a contribuição da Universidade, como trabalhar com políticas públicas e fazer com que essas ações sejam efetivas. Assim, podemos construir mais essas ações, propondo soluções”.

Texto: Jéssica Natal | Foto de Capa: Luciane Navarro | Fotos internas: Jéssica Natal

 


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