Crítica do Fenata: Estado de sítio: autoritarismo e poder

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Os alunos do curso de Letras da UEPG estão preparando textos de crítica sobre os espetáculos da 47ª edição do Festival Nacional de Teatro (Fenata). As críticas são orientadas e revisadas pela professora Paola Scheifer. Sobre a peça “Estado de Sítio”, participante da Mostra Adulto na noite de sexta (25), leia a crítica:


Estado de sítio: autoritarismo e poder

Com a atual polarização política do país e manifestações de pessoas que pedem a volta de um regime totalitário, como o da Ditadura Militar, o teatro nos leva a refletir sobre a conjuntura política do nosso tempo. Assim, a peça Estado de Sítio, apresentada pela Cia Teatral Controvérsias, de Pindamonhangaba, São Paulo, se apresenta em um momento oportuno da história do país. O diretor Adbailson Cuba faz uma adaptação do texto A Peste, de Albert Camus, escrito em 1948, ressignificando-o para 2019.

À época da escrita, em um contexto de pós-guerra, Camus queria tematizar o medo e o regime ditatorial espanhol. Serviu-se, portanto, do franquismo, para inspiração de sua obra. Na peça, após os maus presságios pela passagem de um cometa, uma pequena cidade litorânea passa a ser governada pela Peste, que, usurpando-se do poder de uma líder inerte e ineficaz, instaura o Estado de Sítio e cria um regime burocrático e autoritário. A vida dos cidadãos é submetida ao império da Peste e de sua Secretária, que dominam o povo por meio do medo e do sofrimento.

A apresentação faz uma metáfora entre doença e regime autoritário. Assim, conforme a enfermidade se espelha, ou seja, o autoritarismo, as pessoas vão definhando. Tudo começa com pequenas proibições, como a instauração de um toque de recolher, até que aos poucos as pessoas vão sendo privadas de direitos básicos, como os de locomoção e privacidade. No ápice do regime, surge uma nova alegoria, o povo é obrigado a andar com sacolas plásticas na cabeça, com a desculpa de que as palavras podem ser
motivos de infecção. Todavia, esse é apenas um plano para que a Peste continue no poder e impeça a cura, ou seja, a queda do regime.

Engana-se, porém, quem acredita em se tratar de um espetáculo de conteúdo apenas político. A peça também traz reflexões filosóficas e éticas, por meio da abordagem de questões como o existencialismo, a subjetividade do certo e do errado, além do confronto entre o individual e o coletivo. Aliás, os conceitos de individualismo e de coletividade estão evidenciados durante toda a apresentação. Os diálogos travados entre os personagens são intercalados com os cantos interpretados pelo elenco em coro. É como se uma voz coletiva precisasse sempre irromper para tecer comentários sobre as ações que ocorrem.

Outro ponto que vale destacar foi a nova perspectiva adotada pela direção de Adbailson Cuba ao inserir as novas tecnologias na execução da peça. Isso pode ser visto na figura do jornalista que está sempre por perto, das autoridades, gravando seus passos antes da tomada de poder pelo novo regime, pois, após esse acontecimento, sua aparição desaparece, dando a entender por meio dessa supressão que a cobertura da imprensa passou a ser elemento non grato. A importância das ferramentas tecnológicas e do controle
que se passa a ter das pessoas ao fazer uso dela é evidenciada em sua completude por meio da Secretária que controla a natalidade e a mortalidade por meio de um tablet.

Além dos antagonistas, a Peste e sua Secretária, outros personagens trazem dinamicidade à peça. Um deles é o bêbado Nada, que não acredita nos poderosos e desacredita dos esperançosos, servindo como uma espécie de bobo da corte que ridiculariza a todos e é responsável pelos melhores momentos de humor da apresentação. Diego, o herói da trama, também é fundamental para o desenvolvimento da peça. Com ele, exploram-se questões pessoais, coletivas e éticas, afinal, Diego precisa escolher entre viver o seu amor com Vitória ou salvar a cidade do regime opressor.

O cenário é crucial para apresentar esse jogo de poder encenado no palco, já que quem detém maior autoridade, encontra-se posicionado sempre mais alto em relação aos demais, o que demonstra superioridade e imponência. Por meio de caixas brancas e escadas, o espaço é sempre recriado para apresentar as diferentes passagens da peça. O figurino e a maquiagem utilizaram principalmente o preto, o branco e cores escuras, como o vermelho, para ajudar na criação de um clima sombrio e aterrorizante. Além disso, a caracterização dos personagens ajudou a diferenciar as classes sociais de cada um, assim como a desconstrução pela qual eles passam ao longo da trama.

Já a sonoplastia foi responsável por um espetáculo à parte. A musicista ficou em primeiro plano e, em certos momentos, roubou a atenção do espectador para o que estava acontecendo no restante do palco, mas nada que prejudicasse a atenção no todo da peça. A música colaborou para a ambientação das cenas e também para criar uma atmosfera de tensão própria da narrativa contada.

O medo, certamente, possa ser considerado o fio condutor de toda a narrativa encenada, mas, ao mesmo tempo, Estado de Sítio deixa uma mensagem de esperança: o império implementado pela Peste pode ser considerado apenas passageiro, tal como o cometa. Isso, claro, se assim o povo desejar, já que, no fundo, é ele o verdadeiro detentor de poder.

Texto: Naiane Laize Jagnow, graduanda do 1º ano do curso de Letras da Universidade Estadual de Ponta Grossa

Foto: Aline Jasper


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