Curso de Engenharia Civil completa 50 anos na construção de profissionais

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De cabeça erguida, ela olha para futuro, com os mesmos olhos que viu o começo de tudo. Se o curso de Engenharia Civil da Universidade Estadual de Ponta Grossa fosse uma pessoa, seria Adelaide Thomé Chamma. No final do ano, o curso completa 50 anos de existência por causa dela, a primeira professora mulher da UEPG e a criadora da graduação pioneira nos Campos Gerais. No Dia do Engenheiro Civil, comemorado nesta quarta-feira (25), a instituição relembra a história do curso no trabalho constate de construção – para além de edificações, mas de profissionais.

Os cabelos brancos e a voz baixa não escondem a grandeza de Adelaide. A mente está forte, como uma casa alicerçada na rocha. Quando o Setor de Ciências Exatas e Naturais a elegeu como representante no Conselho de Administração, o então reitor Odeni Villaca Mongruel surgiu com um desafio: “Ele lançou a ideia de formar o curso de Engenharia Civil. E a única pessoa para responder pelo sim e pelo não era eu, a única mulher e a única representante. Eu fui corajosa e respondi ‘eu vou cuidar desse curso por você'”. Era 14 de dezembro de 1973 e o desafio foi cumprido com a criação oficial do curso.

Em março do ano seguinte, a primeira turma começou. “Quando eu saí da reunião, os alunos já estavam na porta esperando pela resposta, e quando souberam a resposta foi aquele alvoroço. Uns já queriam se matricular e começar”, recorda. E para colocá-los em ordem não foi fácil. Para dar conta das expectativas, ela estudou manuais, conheceu outras instituições para que se formasse a graduação. “Aí comecei a procurar os engenheiros, porque só podia ser engenheiro para dar as aulas, uns aceitavam e outros não”. E quando vinha a pergunta de qual era o salário? “Eu respondia: ‘você não precisa saber, vai ser surpresa, vai ficar satisfeito com o que vai ganhar’, mas era um salário mínimo”, gargalha.

Só Adelaide sabe o quanto os primeiros anos foram desafiadores. Depois de conseguir formar um corpo docente, veio o reconhecimento do curso, publicado pelo Diário Oficial da União em 30 de agosto de 1978, depois da formatura da primeira turma. “A sociedade começou a sentir que o curso estava caminhando e começaram a ter mais confiança em nós. Quando chegamos ao fim, eu estava com o elenco de professores completo e foi uma graça de Deus muito grande”. Se o pai da UEPG é Álvaro Augusto da Cunha Rocha, a mãe é Adelaide Thomé Chamma. Antes da Engenharia Civil começar, ela já estava na UEPG no curso de Matemática.

Professora ainda na época da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras, a professora testemunhou o nascimento da UEPG, a junção dos cursos e o início da Universidade. “Quando o curso de Matemática começou, os próprios alunos se candidataram para serem professores. E todos foram aceitos até que tivesse um número suficiente”. Para Adelaide, ficou a missão de lecionar especialmente as disciplinas de geometria e álgebra. “Eu gostava muito, era a única professora dos cursos da Universidade, os outros eram homens. Só depois que começaram a se formar alunas e entraram como professoras”.

Hoje aposentada há mais de três décadas, e com 96 anos, ela ainda diz sentir algo novo. “Consigo sentir como a escola é vida. Você sente a beleza da escola, você sente aquele prazer de dar aula. O começo precisa muita boa vontade e por isso ser professora da UEPG é uma lição de vida para mim”.

Legado 

Dessa lição, surgem legados, que ecoam ao longo dos anos, como  Nelson Madalozzo.  Por onde passa, é unanimidade. Difícil  alguém que não o cumprimente em um minuto de caminhada pelos corredores do Bloco E. Ele estava lá na primeira turma. O curso ainda não tinha um Bloco e as aulas aconteciam em várias salas do Campus Central e no antigo prédio do Observatório Astronômico, no Bairro Boa Vista. “Lembro que quem nos deu trote de calouros foi a turma do curso de Licenciatura em Matemática”, conta. Foram 129 calouros a entrar na primeira turma e, segundo ele, os primeiros anos foram sofridos. “Não tanto pra gente, mas mais pra administração do curso, que lutava para conseguir professores para as aulas”. Bastava os alunos chegarem na Universidade, que um professor convidado faltava e a coordenação do curso precisava correr para garantir um substituto. “A administração enlouquecia, mas deu tudo certo para nos formarmos”.

No fim, foram 29 pessoas que se formaram na primeira turma, com colação de grau em 05 de agosto de 1978. “Por ser uma turma muito heterogênea no início, porque entravam novos alunos a cada semestre, começamos a ter aquele sentimento de união apenas no último ano”, explica. No cartão de convite, todo revestido de veludo, está a foto da primeira turma, com a frase: “Os engenheirandos civis de 1978, da Universidade Estadual de Ponta Grossa, sentir-se-ão honrados com a presença de V. Sa. no sei baile de formatura”. De lá para cá, a união surgiu e permaneceu. “Todos nós mantemos contato e sempre nos reunimos, quando possível, para relembramos daqueles momentos”. Nas primeiras turmas, o corpo docente do curso era formado por engenheiros civis com apenas experiência técnica, que aceitavam o convite para ingressarem como professores. Um deles foi o próprio Nelson. Com 22 anos, em 1979, ele iniciava a carreira na docência na própria instituição que o formou no ano anterior. Depois, só saiu em 2019, ano da sua aposentadoria.

Ele acompanhou toda a mudança e o crescimento do curso, testemunhou a busca por capacitação acadêmica e a casa própria, no Campus Uvaranas, em agosto de 1985. Junto com Agronomia, Civil foi o primeiro curso a iniciar as atividades no novo espaço. “Fomos privilegiados com salas amplas, professores e alunos tinham um ótimo lugar para estudar e trabalhar, com todas as atividades concentradas em um só lugar. Só que era longe pra caramba, né?”. E era mesmo. O Campus Uvaranas à época não dispunha de uma área aberta. Tudo era literalmente mato e, no fim do dia, as pessoas se localizavam com lanternas para acharem a saída. “Quem não tinha carro, precisava andar até a estrada lateral para pegar o transporte público, andando no mato e pisando no barro”, recorda.

E assim, de ano em ano, tudo que existe hoje foi se formando ao redor dos Blocos E e F. Com a grandiosidade do curso e do Campus, o sentimento em Nelson também dobrou de tamanho. “Sempre almejei que os meus alunos fossem melhores do que eu, porque sempre passei a eles, além das informações técnicas, os valores de responsabilidade e humanidade no trabalho”. Os mesmos ensinamentos foram repassados em casa, com a família. Ao caminharem juntos pelos corredores do Bloco, a filha Nisiane Madalozzo carrega o legado do pai e escreve a própria história como professora do curso.

“Meu irmão e eu crescemos aqui no Campus. Lembro de vir acompanhar meus pais no trabalho, de ver eles escrevendo no quadro e me inspirar neles”. A inspiração que colheu direto da fonte a motiva para seguir à frente de aulas e projetos na Engenharia Civil desde 2018. Mesmo sem ser intencionalmente, o bastão foi passado de pai para filha. “Acho que nós dois temos essa característica muito forte na sala de aula, os alunos conseguem ver a aplicação prática de tudo o que passamos, porque crescer com professores faz parte de mim e esse lugar é a minha casa”, ressalta. Juntos, eles olham a sala 22, local de trabalho de muitos anos de Nelson, e que hoje também recebe aulas de Nisiane, como a continuação de um legado.

Legado também é palavra forte para Roberto Merhy. A história da Engenharia Civil da UEPG foi escrita por alguém que viveu os papeis de professor e gestor. Ele tinha 27 anos quando tudo começou. “Fui dar aula já para a primeira turma do curso, com alunos meus sem muita diferença de idade comigo”, recorda. Passados os quase 50 anos de criação do e os 46 de formatura da primeira turma, para ele é impossível esquecer dos amigos que fez. “As minhas melhores lembranças são as amizades que eu fiz, tanto com professores quanto com estudantes daquela época, sempre com um respeito muito grande”. Ele ressalta a importância dos professores em “construir” e pensar na concepção do Campus Uvaranas, distribuição de blocos e toda a logística de crescimento. “Foram os professores de Civil que fizeram a distribuição dos blocos por setores, o arruamento, o desenvolvimento dos projetos arquitetônicos, estruturais, elétricos e hidráulicos”. Tudo pensado por professores, auxiliado de alguns alunos.

“O curso de Engenharia Civil para mim representa a base de tudo aquilo que que eu vivi, trabalhei, aproveitei, realizei e amei na UEPG”. Ao curso, Merhy endereça as conquistas de eleição de cargos, como chefe de departamento, direção de setor e eleição para vice-reitor (1991 a 1994) e reitor (1994 a 1998). Mas nada se compara quando um aluno conquista algo. “Cada vez que um egresso nosso consegue alguma coisa importante, a gente sente que uma partezinha disso foi a gente colaborou”. Essa pequena parte, como descreve Roberto, faz tudo valer a pena. “Ver nossos alunos indo longe aumenta a nossa vida útil profissional e nós nos sentimos caminhando junto com eles nessa jornada, ultrapassando as nossas próprias barreiras”.

Os olhos que viram o progresso

Ultrapassar barreiras de tempo é com ele. O andar ligeiro e o olhar atento são antigos conhecidos do Bloco E. Eles pertencem a Joel Larocca Júnior, professor que conhece o curso que leciona como a palma da mão. “Tenho aulas, nas terças e quintas-feiras, das 10h às 12h. Estou sempre na sala 3 do bloco E”, disse no primeiro contato. O verbo “estar” é de alguém que se fez presente durante mais de 30 anos no curso. “Efetivamente, o meu papel no curso sempre foi dar aula, e só”.

Apesar da modéstia, Joel Larocca é daqueles professores que formou a identidade do curso – e do Campus Uvaranas. Ainda em 1977, quando entrou para ser professor dos alunos que estavam no terceiro ano, o docente integrou o Escritório Técnico de Engenharia (ETE). Era o início do que hoje é conhecido como Prefeitura do Campus. Ainda nem existia a Universidade em Uvaranas. “Nós chegamos a construir um complexo esportivo no Distrito Industrial, num terreno doado pelo Estado. Fizemos um enorme vestiário e três quadras esportivas”, recorda.

Para que o local funcionasse, era necessário o primordial: que tivesse água. “Fizemos uma represa com os arroios para poder levar água para casa do caseiro e para ter água no campo. No outro dia, o poço tinha secado. Sumiu”. Jairo Amado Amin, que estava à frente do ETE à época, solicitou um laudo geológico do espaço a Joel. “Descobrimos que o terreno inteiro era tipo um queijo suíço, cheio de furos na terra. Tive que ficar lá dentro até fazer toda a correspondência para devolvermos o terreno”. Toda a negociação para a devolução do local, com o Governo do Estado, resultou na doação de um outro terreno, onde hoje é a Fazenda Escola.

São mais de 70 anos de vida e três décadas na instituição, entre idas e vindas. Como todo relacionamento de amor verdadeiro, com altos e baixos, Joel não esconde as histórias de frustrações que teve com o Departamento – estas, não permitiu que fossem publicadas. “Isso você não vai escrever de jeito nenhum. Vou levar comigo no túmulo” , brinca. A irreverência vem de alguém que ama a instituição e o curso no sentido lato. Ao olhar a parede de avisos do Bloco E, com o cartaz “Curso de Engenharia Civil, 4 estrelas pelo Guia das Faculdades”, ele suspira: “Lutamos para sair daquelas três para quatro estrelas. E eu vou estar vivo ainda para ver este curso com 5. Vai chegar”.

Os professores de Engenharia Civil, que compuseram a Precam, foram os grandes responsáveis pela concepção do Campus Uvaranas como é conhecido hoje. Joel trabalhou na primeira parte dos Blocos L e M, na Central de Salas e prédio da Reitoria (menos os arcos). “Os meus não são assim [virados para dentro], mas são assado [virados para fora], basta ver os da Central de Salas”. Apesar de não estar na UEPG na época que o curso migrou do Centro para Uvaranas, ele recorda orgulhoso da construção do bloco, construído totalmente com a técnica de solo-cimento, que consiste numa mistura homogênea, compactada e curada de solo, cimento e água em proporções adequadas. “Isso tudo aqui era para ser provisório, mas veja como está tudo excelente sem sequer um tijolo nessas paredes!”.

A mesma técnica empregada pela Engenharia Civil da UEPG foi a responsável por construir casas para moradores Vila Rubini que, ao saírem do local onde hoje é a horta do Colégio Agrícola, ganharam moradias novas, construídas por profissionais da instituição. “Sabemos que a Universidade tem esse pioneirismo, feito ainda na década de 1970. Nós estávamos sendo notícia em tudo quanto era revista de engenharia do Brasil, por termos pesquisado e achado uma determinada solução construtiva que não era conhecida aqui”, reflete.

Um professor que ama seus alunos e seu trabalho ainda tem sonhos. “Um dia vou ser paraninfo de uma turma de formados e vou discursar: ‘papais e mamães, estão aqui os moleques que vocês confiaram a nós. Agora, eles são profissionais na missão de Engenheiros Civis”, conta com o olhar no abstrato, como se enxergasse o futuro. “Tô aqui porque gosto, eu acredito no curso de Engenharia Civil, por isso vou ficar aqui até me mandarem embora. E mesmo quando eu sair, voltarei sempre para tomar um café”, sorri. É tipo um vício. “Ter visto também essa transformação do curso é uma coisa que me satisfaz. Sou um viciado e voltar para o curso foi como ter voltado a fumar”, gargalha. Mesmo com o emocional abalado por conta de perdas pessoais, Joel é forte. Tão forte que se permite emocionar ao falar o que o curso de Engenharia Civil da UEPG representa para ele. “Agora que a minha casa está vazia… isso aqui é a minha vida, não tem outro lugar, isso aqui é a minha casa”.

A construção física e imaterial que o curso realizou

Nem só de tijolos e cimento se faz um engenheiro civil. O curso da UEPG formou pessoas que amam ser profissionais da área. A professora Patrícia Krüger é um dos exemplos que hoje vive a graduação do outro lado, como coordenadora do curso. Graduada pela UEPG em 1993, ela retornou à instituição em 2012 para fazer parte do corpo docente, que atualmente conta com 34 professores e professoras. “Eu sou uma profissional realizada. Eu tenho paixão pela minha profissão, como engenheira civil e como professora, a UEPG construiu uma boa parte de mim”, declara.

Ao longo das quase cinco décadas de existência, o curso já formou aproximadamente 2.250 engenheiros, com cerca de 270 graduandos no curso anualmente. Entre os anos de 2015 e 2020, 65% dos estudantes que se formaram são homens e 35% são mulheres, com idade média de 22 anos. Para Patrícia, o trabalho de todo o Departamento demonstra uma maturidade do curso. “Nossos professores estão bem envolvidos no ensino, pesquisa e extensão, porque tivemos uma mudança do perfil docente nos últimos anos”. As aulas, que no início eram ministradas por profissionais que tinham apenas experiência prática de campo, agora contam com gente que pesquisa e procura qualificação constante na área acadêmica. “Hoje em dia, a gente está com um grupo de trabalho que tem características técnicas e acadêmicas, e isso é importante para o aluno, que consegue aproveitar a essência do curso no canteiro de obras e na pesquisa científica”.

Com tanto crescimento, é impossível não comemorar as vitórias, para o professor Carlos Emmanuel Lautenschlager, chefe do Departamento. “Essencialmente, sempre trabalhamos junto às gestões que passaram pela UEPG e isso se reflete na relevância que temos dentro e forma da instituição”. Atualmente, o curso conta com programas de resistência técnica, criados de forma pioneira na Universidade: em Obras Públicas e em Engenharia e Gestão Ambiental. O Departamento também tem o Programa de Pós-graduação em em Engenharia Sanitária e Ambiental, que acontece em parceria com a Universidade Estadual do Centro Oeste (Unicentro), além da Empresa Júnior, cursos técnicos e projetos de extensão que trabalham diretamente com a comunidade. “A criação dessa cultura de pesquisa veio muito com o amadurecimento do curso, que cresceu e nos dá condições, inclusive, de abrir novos cursos dentro do nosso Departamento”, explica.

Testemunhar a ascensão de um curso que já nasceu gigante fez com que Emmanuel se sentisse parte da construção da UEPG e do Departamento. “Trabalhamos para unir as forças, ser docente é isso. E aqui no curso temos uma equipe coesa, que passa para os alunos essa essa ideia de que é importante trabalhar em equipe, assim as conquistas se multiplicam”, finaliza. A coordenadora da Pós-Graduação na UEPG, professora Giovana Katie Wiecheteck, destaca o orgulho de fazer parte do time. “Tenho convivido com diferentes gerações de professores e de alunos. E tem sido sempre um grande aprendizado”, ressalta. Para ela, a da Pós em Engenharia Sanitária e Ambiental em 2013 foi um grande êxito para o curso.

“Essa conquista marcou muito minha trajetória na UEPG, pois fui a primeira coordenadora do Programa e tivemos muitos egressos de Engenharia Civil que cursaram e cursam o mestrado, os quais destacam no mercado de trabalho”. O orgulho só cresce, para Giovana. “Para nós professores, acompanhar a evolução dos nossos alunos e ex-alunos é o melhor estímulo para buscarmos melhorias no ensino, pesquisa e extensão dentro da Universidade”.

De mãos dadas

O futuro e o passado agora andam juntos. De Adelaide à Giovana, passaram Jonas Schafranski, Maria Helena Davi, Carlos Balarin, Roque Sponholz   – todos estes citados nominalmente pela fundadora do curso, que ainda se desculpa por não lembrar o nome de todos. Depois de um tempo para pensar e um suspiro profundo, Adelaide agradece. “Primeiro a Deus pela vida que ele está me dando, por poder sentir os 50 anos do curso. Eu tenho tudo vivo na memória. Não apagou nada e isso é uma graça divina muito grande”, finaliza. 

Texto: Jéssica Natal | Fotos: Jéssica Natal, Aline Jasper e Arquivo Pessoal dos entrevistados


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