Egresso da UEPG é destaque mundial por descoberta astronômica

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Ciência é confirmar e refutar hipóteses. Uma descoberta astronômica liderada por Chrystian Luciano Pereira, egresso do curso de Licenciatura em Física da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e atual aluno de doutorado no Observatório Nacional, no Rio de Janeiro, foi publicada na revista Astronomy & Astrophysics Letters nesta sexta-feira (28). A descoberta de um segundo anel ao redor do Objeto Transnetuniano (50000) Quaoar desafia uma teoria idealizada em 1848, o limite de Roche. A pesquisa de doutorado de Chrystian é orientada pelo professor Felipe Braga-Ribas, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e co-orientada pelo professor Marcelo Emílio, da UEPG.

Quaoar é um pequeno planeta que fica além de Netuno, com um diâmetro aproximado de 1110 km, um terço da Lua terrestre. No início do ano, foi descoberto um anel orbitando esse objeto a uma distância maior do que a teorizada pelo limite de Roche, e agora a nova descoberta é de mais um anel “impossível”. “Foi uma grande surpresa”, relata Chrystian. “Isso implica que Quaoar é um sistema mais complexo do que pensamos inicialmente”. Com as forças de maré geradas a partir da força gravitacional do planeta, objetos circulando ao seu redor a uma distância menor do que a do limite de Roche teriam a tendência de se manter no formato de anel e a uma distância maior, se aglutinariam em luas.

Uma campanha mundial foi organizada para observar uma ocultação estelar (quando um objeto do Sistema Solar passa em frente a uma estrela e bloqueia sua luz por alguns instantes), em 09 de agosto de 2022, com o objetivo de obter mais informações sobre Quaoar. Participaram dessa observação telescópios amadores e profissionais, como o Gemini Norte e Canadá-França-Hawaii Telescope (CFHT), com diâmetro de 8,1 e 3,6 metros, respectivamente. “A alta performance dos instrumentos acoplados nos telescópios Gemini Norte e CFHT, as cameras ‘Alopeke e WIRcam, aliada à sua localização no topo do Mauna Kea, no Hawaii, permitiram a obtenção de curvas de luz com qualidade ímpar”, explicam os pesquisadores.

A presença de anéis ao redor de corpos do Sistema Solar foi observada pela primeira vez por Galileu Galilei, ao apontar sua luneta para Saturno, em 1610. Depois disso, esse tipo de estrutura foi descoberta ao redor de outros três planetas gigantes: Júpiter, Urano e Netuno. A primeira vez em que anéis orbitando pequenos corpos no Sistema Solar foram descobertos foi em 2013, ao redor do objeto Centauro (10199) Chariklo. Em 2017, um anel foi descoberto ao redor do planeta-anão Haumea.

Quaoar

Quaoar é o nome do Deus criador da miotologia Togva, um povo nativo norte-americano. O objeto, descoberto em 2002, orbita o Sol no cinturão de Kuiper, uma região de planetesimais (corpos rochosos ou de gelo) que fica além de Netuno – mesma região em que está localizado Plutão.

Observações de Quaoar entre 2018 e 2021 resultaram na descoberta de um anel ao redor do objeto, publicada em fevereiro de 2023. Agora, a nova descoberta mostra que o sistema é ainda mais complexo, com um segundo anel mais interno ao divulgado no início do ano. A ocultação estelar permitiu sondar o primeiro anel (preliminarmente nomeado Q1R), revelando uma estrutura estreita confinada, com aproximadamente 5 km de largura e grande profundidade óptica, ou seja, bastante densa, e uma região mais extensa e tênue, com largura média de 90 km e menos de 1% da opacidade da região mais densa. Esse anel fica a cerca de 4060 km de Quaoar. “Esse núcleo estreito do anel é cercado por um envelope de material disperso com cerca de 60 km, se assemelhando em estrutura ao anel F de Saturno ou o arco observado nos anéis de Netuno”, comentam os autores no trabalho.

O segundo anel (Q2R), descoberto agora, tem cerca de 10 km de largura e está mais próximo de Quaoar, a 2520 km do centro do objeto. Essa localização é fora do limite de Roche, distância mínima que pode suportar um objeto em órbita ao redor de um corpo de maior densidade sem começar a se desintegrar devido à força gravitacional. Esse limite teórico, estimado em 1780 km do centro do corpo, foi proposto pelo astrônomo francês Édouard Roche em 1848. “Outra propriedade interessante e não usual do anel de Quaoar é a variabilidade na sua largura e opacidade, sendo muito estreito e denso em uma região, enquanto tênue e extenso em outra”, apontam.

“O anel mais externo orbita Quaoar a uma distância muito próxima a região de estabilidade gerada pela ressonância spin-órbita 1:3, significando que enquanto Quaoar completa três rotações, as partículas do anel completam uma órbita”, explicam os pesquisadores. “Já o anel mais interno se encontra próximo à região de ressonância spin-órbita 5:7, ou seja, enquanto Quaoar completa sete rotações, as partículas do anel completam cinco órbitas”. Essa diferença de ressonância pode explicar a diferença na localização dos anéis e a manutenção deste anel interno, segundo a pesquisa. Outra hipótese é a de que uma lua ou outros pequenos satélites atuem como “pastores”, criando instabilidades gravitacionais que impedem as partículas de se juntar e formar outras luas.

Para entender melhor o sistema dinâmico em que Quaoar e seus anéis se inserem, será necessário realizar novas observações dessas estruturas e determinar de maneira mais precisa a forma de Quaoar. Outra ocultação estelar está prevista para 13 de maio. “Esse evento envolve uma estrela brilhante e vai ser útil para restringir melhor o formato de Quaor, além de ser uma boa oportunidade para obter mais detalhes sobre esses dois anéis notáveis”, conta Chrystian.

Cooperação mundial

O trabalho faz parte do projeto “Lucky Star”, sob a liderança do pesquisador Bruno Sicardy, do Observatório de Paris (França) e foi viabilizado através de uma colaboração mundial envolvendo astrônomos profissionais e amadores. Este estudo contou com a participação de pesquisadores de diversos institutos internacionais, como: Instituto de Astrofísica de Andalucía (Granada, Espanha), Observatório Nacional (Rio de Janeiro, Brasil), Universidade Tecnológica Federal do Paraná (Curitiba, Brasil), Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (Rio de Janeiro, Brasil), Instituto Espacial da Flórida (Orlando, Flórida), e outros.

Texto: Aline Jasper, com informações dos pesquisadores  | Imagens: Divulgação e Arquivo Pessoal


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