Estudante de Engenharia de Alimentos tira 10 em TCC sobre análise sensorial inclusiva

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O queijo é um alimento complexo. Embora o ponto de partida seja sempre algum tipo de leite, o produto final pode variar significativamente na aparência, sabor, odor e textura. Teor de gordura, tempo de maturação e fermento utilizado fazem toda a diferença, e novas receitas são desenvolvidas o tempo todo. 

Para avaliar as características de um produto com tantas variações, muitas vezes sutis, é necessário um método especial, principalmente no caso dos chamados queijos finos, cujo público consumidor é conhecido por ser altamente exigente. É nesse contexto que entra a análise sensorial, uma ferramenta que utiliza os sentidos humanos (visão, audição, olfato, paladar e tato) para aferir a qualidade de produtos alimentícios. Uma estratégia para mensurar aquilo que não aparece nas análises de laboratório convencionais. 

Esse foi o tema do trabalho de conclusão de curso (TCC) do Matheus Baldykoski Ribas Santos, da graduação em Engenharia de Alimentos na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Ele desenvolveu, com apoio do seu orientador, o professor Alessandro Nogueira, um método para descrição sensorial de queijos, mas com uma particularidade: “Tivemos a ideia de desenvolver uma ficha sensorial que fosse acessível para pessoas com deficiência visual, para que essas pessoas pudessem avaliar os queijos recobertos com mofo branco, como brie e camembert”, conta. 

O trabalho é um desdobramento do projeto de iniciação científica no qual o Matheus – que também tem baixa visão – participa desde o terceiro ano. A afinidade com esse tipo de método também foi aprimorada durante a sua experiência nos cursos da Escola Tecnológica de Leite e Queijos dos Campos Gerais (primeiro como aluno, depois como instrutor) e no “Prêmio Queijos do Paraná”, no qual ele e o professor Alessandro integraram a equipe de “superjurados”; responsável por avaliar os queijos finalistas. 

Todo essa percurso culminou, em novembro de 2025, na aprovação do TCC com nota máxima. “Fiquei muito feliz com a nota. Eu já conhecia o conteúdo desse trabalho desde o terceiro ano da graduação, então defender o projeto e responder às perguntas da banca ficou muito mais fácil”, comenta. 

O MÉTODO

A ficha foi projetada para atender às necessidades de pessoas com deficiência visual, tanto cegos como indivíduos com baixa visão, além de ser acessível também para pessoas sem comprometimento visual. Ela foi desenvolvida em formato digital, de modo a permitir que sejam utilizados recursos de leitura de tela para auxiliar na avaliação dos 19 parâmetros. 

Além de atribuir notas aos itens, a ficha oferece ao avaliador um espaço para deixar sugestões ou recomendações ao produtor do queijo. A ideia é que o método possa ser utilizado em pesquisas, treinamentos e concursos.

“Com o apoio dessa ficha eu consigo, por meio do tato, por exemplo, avaliar as olhaduras do queijo. Uma pessoa que não possui deficiência visual simplesmente olha para o queijo e já percebe as olhaduras, já sabe o formato delas, se elas estão bem distribuídas ou não. Agora, uma pessoa que tem algum tipo de deficiência visual não consegue perceber da mesma forma. Então, através do tato, ela pode perceber se tem a olhadura, qual o tipo, se é redonda, se é simétrica, se está bem distribuída ou não… São atributos que influenciam na qualidade do queijo”, explica. 

O processo de desenvolvimento do método incluiu duas fases de treinamento sensorial, durante as quais os atributos da ficha foram definidos e validados. O estudante relata que “perdeu as contas” de quanto queijo precisou avaliar durante essas etapas. “Tinha dias que eu não aguentava mais queijos. Eu sentia o cheiro do queijo, eu falava assim: ‘hoje não’ [risos]. Às vezes, só pelo cheiro eu já sabia qual marca de queijo era”, lembra. 

Estudante, usando óculos escuros, posando ao lado de duas pessoas — incluindo seu orientador — diante do painel do “Prêmio Queijos do Paraná 2025”, durante o evento.A habilidade olfativa, conta Matheus, é algo que vem da infância e que foi refinado durante a graduação. “Desde criança eu gostava de sentir o odor das coisas. Então, isso faz você ir adquirindo uma memória sensorial e vai reconhecer com facilidade determinados odores. Mas com o queijo, principalmente os de mofo branco, por ser um produto muito complexo, precisei treinar muito. Eles trazem sabores e odores complexos, como os de cogumelo e amadeirados”. 

Para o professor Alessandro, orientar o Matheus foi um processo de descobertas. “Ele tem todo o conhecimento de um engenheiro de alimentos, somada a essa aptidão com a parte sensorial. Hoje em dia, os produtos nobres exigem essa parte. Você vê isso em campeonatos de cerveja, de vinho, de café. E isso faz com que esses produtos tenham cada vez mais qualidade”, destaca. 

“Nós atingimos o nosso objetivo de transformar ele em um avaliador sensorial. E hoje ele tem total capacidade de treinar outras pessoas nesse método”, completa o orientador. 

DESAFIOS E PLANOS

Embora reconheça que existam desafios para alunos com deficiência no ensino superior, Matheus destaca que, com algumas adaptações, é possível explorar o potencial do curso. “Eu acho que tem várias áreas que uma pessoa com deficiência visual pode se destacar, principalmente aqui na parte de Engenharia de Alimentos, como eu acabei me destacando na parte sensorial. A graduação abre muitas portas”. 

Agora, segundo o estudante, o objetivo é ingressar no Mestrado em Ciência e Tecnologia de Alimentos da UEPG e continuar se dedicando aos métodos sensoriais. Já o professor Alessandro tem planos de criar na Universidade um grupo sensorial formado por acadêmicos com deficiência, ampliando a pesquisa na área e fortalecendo o caráter inclusivo da análise sensorial.

Glossário:

Olhaduras: Pequenos buracos que se formam no interior de alguns queijos durante a fermentação, resultado da liberação de gases pelas bactérias. Quando em formato irregular e mal distribuídas ao longo de toda a massa, são considerados pontos negativos.

Queijos finos: Categoria que engloba queijos especiais, produzidos com técnicas mais elaboradas, maturação controlada e características sensoriais mais complexas.

Mofo branco: Camada externa branca e aveludada formada por fungos benéficos (como Penicillium candidum), comum em queijos como brie e camembert, responsável por sabor e textura distintivos.

 

Texto: Gabriel Spenassatto | Fotos: Gabriel Spenassatto, Domitila Gonzalez, Matheus Baldykoski Ribas Santos/Arquivo pessoal.


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