Curso de Artes Visuais promove debate sobre a arte contemporânea na semana acadêmica

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O curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) realizou, entre 25 e 27 de junho, a terceira edição da Semana de Arte, com o tema PersonAção. Com oficinas práticas, palestra e bate-papo em mesa redonda, o evento propôs uma reflexão sobre a presença do corpo e da identidade na arte contemporânea.

A organização da Semana de Arte faz parte da disciplina “Projeto Articulador no Ensino de Artes Visuais”. Segundo a aluna Gabriella Goles Furda, a proposta é construída pelas turmas formandas, que definem o enfoque de cada edição. “É sempre os quartos anos que organizam. É relativamente nova, essa é a terceira edição. A ideia é dar destaque para algo que a gente viu ao longo do curso. Ou, nesse caso, algo que a gente teve pouco contato.”

Neste ano, o tema escolhido foi a arte contemporânea, justamente por ainda ser um campo pouco abordado na formação regular dos estudantes. A proposta foi ampliar o repertório dos colegas e propor experiências com linguagens como performance, instalação e vídeo-arte. “A gente trouxe essa coisa mais experimental, para fazer os alunos se mexerem, participarem mesmo”, explica Gabriella.

A estudante Thays Almeida reforça que a escolha pelo tema também considerou os desafios da docência, visto que muitos professores enfrentam dificuldades para trabalhar a arte contemporânea em sala de aula. Isso acontece, segundo ela, porque essa produção ainda não está consolidada na historiografia. “A gente está vivendo o período da arte contemporânea, então ainda é algo difícil de definir. Por isso, a gente trouxe esse tema para refletir sobre técnicas como a performance e a instalação. Tudo girando em torno da arte contemporânea e da identidade.”

Segundo a professora Jeanine Mafra Migliorini, que ministra a disciplina responsável pela organização da Semana, a programação foi pensada para incluir atividades práticas e teóricas. “No primeiro dia, um pedacinho foi teórico, mas depois a gente montou uma instalação. No segundo dia, as oficinas colocaram os alunos para agirem, para atuarem mesmo. E no encerramento a gente discute como aplicar isso em sala de aula, seja no infantil, no fundamental ou no ensino médio.”

A abertura da Semana contou com uma palestra da artista visual e educadora curitibana Érica Storer. Na divulgação do evento, pedia-se que os estudantes vestissem roupas pretas e confortáveis, e levassem junto dois cabos de vassouras. Após a palestra, Érica desenvolveu uma atividade a partir da pergunta “É possível fazer uma obra de arte com um cabo de vassoura?”, o que estimulou os participantes a pensarem possibilidades de performances usando um objeto cotidiano. “A potência artística de se utilizar o cabo de vassoura está justamente na possibilidade de destituir seu significado original pra reconstruir algo ainda desconhecido atravessado pelo corpo”, explica Érica.

No segundo dia do evento, foram realizadas três oficinas: “Criação de Personas”, que propôs a construção de identidades fictícias a partir do uso da maquiagem como ferramenta de expressão artística; “Arte e Movimento”, que buscou explorar o corpo em ação e instigar o movimento como forma de criação e expressão; e “A Arte do Audiovisual”, que incentivou a criação artística através da experimentação visual. A Semana encerrou com uma mesa redonda sobre o ensino de Arte nas escolas, seguido de jogos didáticos sobre arte contemporânea e uma confraternização de encerramento.

É difícil entender a arte contemporânea?

A escolha do tema não foi por acaso. Segundo a coordenadora do curso, professora Adriana Rodrigues Suarez, a arte contemporânea ainda enfrenta resistência por parte da sociedade. “As pessoas carregam esse pensamento de que a arte clássica é a verdadeira arte. Mas isso acontece por falta de fundamentação histórica. A arte acompanha o contexto social, histórico, filosófico de uma sociedade”, afirma.

A professora destaca a importância de discutir a arte contemporânea na formação docente, e lembra que o papel da universidade não é impor um gosto estético, mas desenvolver compreensão crítica. “Você não tem que gostar da arte contemporânea. Assim como um arquiteto não gosta de toda arquitetura ou um jornalista de toda matéria, você precisa entender o porquê daquilo, mesmo que te incomode. Não é achar bonito porque todo mundo acha bonito. É sobre entender porque aquela arte existe”.

Na opinião de Adriana, cabe à formação universitária preparar professores capazes de interpretar a arte em seu tempo e nos contextos sociais onde ela se insere. “Não é nem defender a arte contemporânea. É mostrar que ela está aí, queira você ou não. E quem vai fazer isso são os nossos alunos que saem para atuar na educação formal e não formal.” Para Adriana, a arte é uma ferramenta para quebrar preconceitos e estereótipos. “A arte rompe, provoca, embeleza, ela tem feiura, ela tem protesto. É mais para ser sentida do que entendida.” Segundo ela, esse potencial provocador está ainda mais evidente na arte contemporânea. “Durante muito tempo, só a elite tinha acesso à arte. Os mecenas, a Igreja, os palácios. A arte contemporânea tenta quebrar tudo isso”.

Entre a arte e a docência

Além de preparar professores para atuarem na educação básica, o curso de Artes Visuais da UEPG também forma profissionais capazes de trabalhar em diversos campos. “A prioridade sempre é a formação de professores de artes visuais, mas também temos uma demanda muito grande de representação artística”, conta Adriana. A atuação em diferentes campos é possível graças ao currículo do curso, que combina teoria e prática através de disciplinas como desenho, pintura, escultura, gravura, cerâmica, cinema e fotografia. 

“Com toda essa demanda, trabalhamos aqui a relação do professor-artista, que é aquele professor que também produz e está envolvido com a arte”, explica a coordenadora do curso. A história da professora Adriana é atravessada pela arte desde a infância. “Segundo minha mãe, toda vida eu estava envolvida com alguma coisa relacionada à arte como teatro, desenho, pintura… Eu sempre gostei”, conta. Em 1997, após ficar viúva aos 27 anos, Adriana decidiu transformar aquilo que era hobby em profissão, e assim ela abriu seu ateliê e começou a trabalhar como professora de pintura e desenho.  

Um ano depois, em busca de uma formação superior, Adriana ingressou na UEPG pela primeira vez. “Eu queria fazer uma universidade, mas não tinha Artes em Ponta Grossa. Como eu sempre fui muito boa em matemática e havia demanda por professores nessa área, optei por cursar Matemática na UEPG.” Em 2007, Adriana foi buscar uma segunda formação e realizar um sonho antigo: começou a graduação em Artes Visuais na UEPG, conciliando os estudos com o trabalho de professora na educação básica e em seu seu ateliê particular.

A trajetória de Adriana como professora da UEPG começou em 2011, como colaboradora, pouco depois de concluir sua graduação em Artes Visuais, até se tornar professora efetiva e com dedicação exclusiva à Universidade em 2017. Com isso, precisou encerrar o ciclo no ateliê onde dava aulas de pintura, embora ainda siga produzindo em menor ritmo. “Não dei conta de continuar com o ateliê, dando aula direto. Minhas alunas perguntam até hoje quando eu volto. Eu digo: talvez quando me aposentar”.

A professora Jeanine Mafra Migliorini conta que a sua relação pessoal com as artes também iniciou na infância. “Faço balé desde muito nova. Depois, quando eu tinha uns 11 anos, comecei a fazer aulas de desenho na Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Culturais (Proex), ou seja, estou na Universidade há muito tempo”, relata. As aulas de desenho despertaram o interesse dela pela Arquitetura, que foi a sua primeira formação superior, pela PUC do Paraná em 2003, e pelas Artes Visuais, segunda graduação de Jeanine, desta vez pela UEPG em 2007. “Eu entrei no curso porque queria aprender a ser professora, e me dei muito bem. Depois disso, ainda fiz especialização e mestrado aqui. Eu sou filha da UEPG”.

Segundo Jeanine, ela é um bom exemplo de que, se você escolher a profissão pelo que gosta, vai encontrar um caminho e um mercado de trabalho. “Eu cresci ouvindo a minha mãe falar: ‘o professor é a profissão que nunca vai desaparecer. A gente sempre vai precisar de professores.’ E a arte é necessária em nossas vidas, a pandemia mostrou isso para quem ainda não percebia. A arte está no cotidiano, quando você escolhe uma roupa ou uma série para assistir. A gente não vive só de coisas comida. Então deem uma chance à arte, porque ela é alimento para a alma”. 

A estudante Thays Almeida observa que muitos colegas chegam ao curso sem intenção de dar aulas, mas acabam mudando de perspectiva. “Foi o que aconteceu comigo, eu não queria ser professora ao entrar. Decidi que faria o curso pelas artes, mas não pela licenciatura”, conta. A experiência como bolsista do PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) e no estágio obrigatório fez ela mudar de ideia. “Nossa, eu adorei. Fiz estágio no Caic (Centro de Atenção Integral à Criança), aqui da UEPG, e sinto muita falta das criancinhas. Foi muito bom. Ser professor é quase um ato de ativismo, mas também é muito gratificante”.

Uma longa trajetória na UEPG

O Diretor de Cultura da UEPG, professor Nelson Silva Júnior fez parte da primeira turma do curso, que começou em 2003. Antes disso, ele já havia se formado em Engenharia Civil pela Universidade, em 1987. “Quando vim fazer o curso de Artes Visuais, estava perto dos 40 anos, mas já trabalhava com arte há um bom tempo. Durante a faculdade de Engenharia, tinha feito parte do grupo de teatro universitário daquela época, participei do Fenata (Festival Nacional de Teatro da UEPG), e fui coordenador de um departamento de cultura que existia dentro do curso. Eu sempre estive envolvido com a arte”, relata.

Segundo Nelson, o curso de Licenciatura em Artes Visuais da UEPG surgiu para suprir uma demanda de mercado. “Naquela época, nós tínhamos na rede pública de Ponta Grossa apenas um professor formado na área de artes, e era no teatro. Os demais vinham de cursos como letras, história, pedagogia”, relembra. Essa carência de profissionais especializados fez com que as primeiras turmas fossem rapidamente inseridas no mercado. “Havia uma demanda muito grande. Ou seja, das primeiras turmas que se formaram, todas foram absorvidas por esse mercado”.

O professor considera que a criação do curso alterou significativamente o panorama da arte na cidade. “Aqueles que não se tornaram professores foram para outros ramos, como museus e galerias de arte. Então muitas pessoas que atuam na área da cultura e da arte em Ponta Grossa passaram pelo nosso departamento, seja no curso de Artes Visuais ou de Música. Acredito que essa seja uma grande contribuição para a cidade, porque a percepção de arte é outra daquilo que nós tínhamos antigamente”, afirma. Para Nelson, as mudanças no currículo ao longo dos anos tornaram o curso mais dinâmico e integrado, aproximando a formação em licenciatura da prática artística. “Basta ver o que está acontecendo aqui hoje, um evento todo voltado para arte contemporânea, isso é excelente”.

O interesse pela fotografia

A diversidade de interesses entre os estudantes do curso de Artes Visuais da UEPG aparece também na escolha dos temas das oficinas ofertadas durante a Semana de Arte. No caso de Guilherme Gerlinger Striquer e Davi Rafhael Mariano, o interesse pela fotografia foi o ponto de partida para a criação da oficina “A Arte do Audiovisual”. 

Durante a atividade, os participantes puderam testar equipamentos, observar diferentes formas de trabalhar a luz e experimentar novos modos de olhar, com  liberdade de composição. Segundo Guilherme, embora o curso ofereça disciplinas práticas de fotografia, cinema e vídeo-arte, a parte técnica nem sempre é aprofundada. “A gente não tem muito contato com questões como iluminação e enquadramento, então pensamos que era uma coisa legal de trazer na prática”, explica.

Para Davi, a oficina representou um desafio positivo. “Diferente de uma aula, é preciso fazer um material que, além de ensinar, faça isso de um jeito dinâmico e interessante, para que eles possam investigar e explorar a temática por eles mesmos. Foi bem prática. Eles conseguiram experimentar e produzir coisas que nem a gente estava esperando”, avalia.

Guilherme afirma que a fotografia se tornou sua principal área de interesse a partir do terceiro ano da graduação, quando teve contato com uma disciplina sobre o assunto. “Sempre gostei de tirar fotos com o celular, até que no ano passado tive a chance de comprar uma câmera profissional. Nela eu descobri que é a minha paixão e o caminho que decidi seguir daqui em diante. Já estou começando a atuar profissionalmente”, relata.

Davi conta que sempre teve uma proximidade com a fotografia, e durante a graduação desenvolveu também o gosto pela cinematografia e pelo audiovisual. Ao longo do curso, ele também se aproximou da docência. “Eu entrei por causa das artes visuais, assim como vários colegas, e não tinha nenhum interesse pela licenciatura. Hoje, no quarto ano, já venho desenvolvendo algumas aulas e oficinas, e pretendo seguir carreira como professor”.

Mesa redonda com egressos encerra a Semana

O encerramento da Semana de Arte contou com uma mesa redonda sobre o ensino de artes, com a participação dos egressos Julia Pereira de Souza e Smailen Kauê de Oliveira. A atividade promoveu uma troca entre profissionais já formados e os estudantes da graduação, com relatos sobre a trajetória no curso e os caminhos seguidos após a formatura.

Julia, que se formou em 2019, relembrou com carinho o período em que esteve na graduação. “Eu me envolvi muito com o curso, foi um período bem significativo para mim”, conta. Ela destacou sua participação em diferentes projetos, como iniciação à docência, iniciação científica e extensão universitária. Voltar à UEPG como convidada para falar aos alunos foi um momento especial. “É uma realização para mim, eu sempre quis falar para um público e compartilhar a minha experiência”. Julia também revelou uma conexão pessoal com os estudantes que organizaram o evento: “Eu atuei como professora colaboradora aqui no curso. E essa turma do quarto ano que está organizando, eu dei aula para eles quando estavam no primeiro ano. Agora estou vendo eles se formarem.”

Smailen, que se formou em 2022, reforçou a importância de aproveitar as oportunidades durante o curso. “Eu e a Julia trilhamos basicamente o mesmo caminho. Todas as oportunidades que a gente via, a gente ia participando. Isso fez com que a gente se tornasse professor antes mesmo de se formar.” Sobre a participação na mesa redonda, Smailen disse que foi uma experiência marcante. “Traz uma sensação, primeiramente, de estranheza e de nostalgia, mas também é muito gratificante.”

O professor Luiz Rodolfo Annes, que mediou a mesa redonda de encerramento da Semana de Arte, destacou a importância do tema escolhido para esta edição do evento. “Eu achei bem válido no sentido de que há uma grande dificuldade de trabalhar isso na escola”, disse sobre a arte contemporânea. Para ele, é justamente por ser uma linguagem atual, presente no cotidiano, que ela precisa ser compreendida e discutida durante a formação dos professores.

Luiz Rodolfo iniciou sua trajetória nas artes a partir de um universo bastante acessível: os quadrinhos. “Para mim, foi a banca de revista perto da minha casa, onde eu via os quadrinhos. Eu gostava muito de ficar folheando, me chamava bastante atenção os traços, os desenhos.” A escolha pela licenciatura veio depois de uma formação inicial no bacharelado em pintura. “A ideia não era ser professor primeiramente. A ideia era ser artista de alguma forma, não sabia como seria, mas acreditava que era possível. No fim, acabei me encontrando nas artes, e agora na docência também.”

Texto e Fotos: João Pizani


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