Migrantes são acolhidos e conhecem oportunidades na UEPG

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A Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) auxilia na inserção de migrantes que buscam melhores condições de vida no Brasil. O contato ocorre por meio de projetos de extensão, processos seletivos e do ingresso em cursos de graduação e pós-graduação. No mês em que se comemora o Dia Mundial do Migrante e Refugiado, a instituição traz histórias de pessoas que tiveram as vidas transformadas pela universidade pública. 

O projeto de extensão Processos Migratórios e Intercâmbio: Inclusão Social e Diversidade Cultural (Promigra) é uma das portas de entrada para uma nova vida. Com atuação de alunos e professores dos Departamentos de Serviço Social, Jornalismo, Pedagogia e Estudos da Linguagem, as atividades incluem ações sociojurídicas, cursos de língua portuguesa, rodas de conversa sobre xenofobia e iniciativas educativas para crianças. Em três anos, o projeto já atendeu 140 pessoas.

O Paraná tem sido escolhido como lar por quem vem reconstruir sua trajetória no Brasil. Dados do Sistema de Registro Nacional Migratório (Sismigra) revelam que, até o primeiro semestre de 2024, 175.902 migrantes estrangeiros residiam no estado, vindos de 195 países e distribuídos por 196 municípios.

Uma história da Venezuela

Belky Liliana Rivera Dávila é uma das pessoas atendidas pelo Promigra. A venezuelana saiu da cidade de Puerto Ordaz, após perceber a deterioração das condições de vida devido à constante instabilidade política do país. Ela tinha um filho adulto morando em outro país e um menor, de 10 anos. Segundo Belky, chegou um ponto em que precisava escolher entre pagar as contas e comer, pois os preços aumentavam. “Era muita insegurança, uma situação do povo contra o povo. Eu decidi: não vou continuar aqui, meu filho está pequeno, ele precisa de uma oportunidade”, explica.

O caminho até Ponta Grossa não foi fácil. A jornada começou em 2019, quando ouviu falar do Projeto Acolhida, do Governo Federal, e de uma ajuda oferecida pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (mórmons). Para ser beneficiada, precisaria chegar a Boa Vista, em Roraima, a quase 13 horas de viagem de sua casa. Ela vendeu móveis e objetos, e um amigo da família financiou o restante das passagens até a fronteira com o Brasil. Dali, o grupo do qual fazia parte contratou um transporte alternativo para atravessá-los ao lado brasileiro.

Ao se aproximar da fronteira, Belky foi informada de que a travessia seria a pé, por trilhas em meio à floresta. No primeiro dia, o grupo não pôde avançar por causa de uma chuva forte que alagou trechos do caminho. No segundo, indígenas armados quase impediram a passagem, e o guia precisou negociar com o líder deles.

Quando finalmente conseguiu seguir viagem, ela percebeu que a vida não seria fácil. As instalações em Pacaraima, no Brasil, eram precárias e eles ainda precisariam continuar até Boa Vista. Após alguns dias de adaptação, ao chegarem à capital de Roraima, conseguiram fazer seus documentos e respirar um pouco mais aliviados. De Manaus, seguiriam para o interior do Brasil por via aérea, assim que houvesse vagas em voos de empresas parceiras. Por duas vezes, ela e o filho foram retirados de aeronaves após já terem embarcado. “A primeira vez que fui devolvida para o refúgio, eu desabei. Não queria chorar na frente do meu filho, mas naquele momento não consegui segurar as lágrimas”, relembra, emocionada. Na terceira tentativa, foram de Manaus para Recife, depois Belo Horizonte, Ipatinga e Nova Lima. Em Minas Gerais, membros da Igreja de Jesus Cristo ajudaram na ambientação.

Após alguns meses em Ipatinga, mudou-se para São José dos Campos (SP), onde se casou com outro venezuelano. O relacionamento, porém, não durou o esperado, e ela se divorciou. Durante a pandemia, Belky relata que ela e o filho quase morreram de Covid-19. Passada a crise sanitária, foram para Londrina, no norte do Paraná. Porém, por não se adaptar à cidade, Ponta Grossa foi o novo destino.

A UEPG surgiu como uma forma de aprimorar o português de Belky, juntamente com os serviços de acolhimento da Cáritas, parceira do Promigra. “Sou muito grata pela ajuda e pelos encaminhamentos. Eles são essenciais. E precisamos de certificados para buscar emprego, pois ainda há muitos que discriminam pelo sotaque e negam oportunidades. Isso já aconteceu comigo várias vezes”, relata Belky, que tem formação como técnica administrativa, bacharel em Gestão Ambiental e pós-graduação em Magistério.

Atualmente, ela busca recolocação no mercado de trabalho. “Não podemos perder a esperança. Já passei por tanta coisa! Faço tudo pelo meu filho, que agora tem 16 anos. Quero um futuro para ele. Meu filho mais velho, que hoje mora na Espanha, também me ajuda, mas ele tem a própria família para cuidar”, explica.

Deixando Assunção em busca de saúde

Carlos Daniel Piñanez Monges era professor no Instituto Superior de Belas Artes de Assunção, Paraguai, onde chegou a ocupar o cargo de diretor-geral, até que problemas de saúde o levaram à aposentadoria por invalidez. Ele também foi diagnosticado com uma forma agressiva de diabetes.

Daniel tinha uma tia que morava há décadas em Ponta Grossa. Foi ela e os filhos dela, primos de Carlos, que o convenceram a se mudar para o Brasil para tratar a saúde. “Eu desembarquei aqui quase morto. Um primo que trabalhava e morava aqui com minhas tias me trouxe de Assunção até Ciudad del Este, de onde cruzei para Foz do Iguaçu. Cheguei muito doente, com 15 kg a menos do que tenho agora”, detalha.

Em Ponta Grossa, a primeira ajuda veio da Cáritas Diocesana. Assim que se sentiu um pouco melhor, Carlos foi estudar português na UEPG. Foi a porta de entrada para um novo mundo, onde, ao mesmo tempo em que era tratado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), cuidava também do psicológico por ter deixado o Paraguai, com a ex-esposa, uma filha de 26 e outra de 18 anos. “Sou muito agradecido à UEPG. Aprendi português e ganhei uma nova família, uma família internacional. Às vezes você pode estar mais triste, mas chega aqui, encontra os amigos do curso e já se sente melhor”, conta Carlos.

A tia com quem ele morava faleceu recentemente, mas ele ainda pode contar com o apoio dos primos. Todos os meses, mesmo com a saúde frágil, ele se desloca até Ciudad del Este para receber a aposentadoria. “Às vezes vou a Assunção ver minhas filhas”, explica. Em Ponta Grossa, continua escrevendo ensaios e peças de teatro, um hobby que não abandona. “Já escrevi e atuei em peças em português na igreja que frequento”, lembra.

Longe de casa por conta da Guerra

Yaroslava Muravetska, nascida em Pokrov, na região de Dnipropetrovsk, Ucrânia, passou parte da adolescência em Kryvyi Rih e, aos 17 anos, mudou-se para a capital, Kiev. Lá, formou-se e construiu uma carreira acadêmica, com doutorado em Teoria Literária. Hoje mora em Ponta Grossa como participante do Programa Paranaense de Acolhida aos Cientistas Ucranianos que foram afetados pela Guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Ela recorda que as tensões que culminaram na invasão russa começaram em 2014, com a anexação da Crimeia, mas foi em 2022, quando os russos atacaram Kiev, que ela foi diretamente impactada.

Na época, a pesquisadora estava voltando de uma temporada de estudos na Alemanha, onde havia desenvolvido um projeto na Universidade Livre Ucraniana em Munique. Uma amiga já havia se mudado para o Brasil para pesquisar na Universidade Estadual de Londrina e deu boas referências sobre o país. “No final do verão, a oportunidade acadêmica no Brasil pareceu particularmente atraente, não apenas pela recomendação, mas também por oferecer um contrato de dois anos. Essa estabilidade me deu esperança de me adaptar, aprender o idioma e trabalhar em um projeto aprofundado”, lembra a doutora.

Nessa mesma época, a guerra se aproximou ainda mais de Yaroslava. “Embora eu tentasse não me concentrar na ameaça constante em Kiev, uma cidade frequentemente alvo de drones e mísseis, era impossível ignorá-la. Poucos dias antes da minha partida, um míssil destruiu um prédio residencial no meu bairro, matando oito pessoas. Essa tragédia me trouxe de volta à realidade da guerra”, lamenta.

A viagem até Ponta Grossa foi feita de ônibus de Kiev a Varsóvia (Polônia) e, de lá, de avião para Lisboa (Portugal), São Paulo (SP) e Curitiba, onde um veículo oficial da UEPG a transportou para a cidade. Agora, com menos de dois meses no Brasil, ela está na fase de adaptação. “Quando como arroz com feijão, carne e suco de maracujá, sinto-me uma verdadeira brasileira, mas quando tento falar ou entender o que as pessoas dizem, a magia desaparece”, brinca Yaroslava.

A ucraniana se diz muito bem acolhida, pois os brasileiros, de modo geral, têm sido receptivos com estrangeiros que ainda não dominam o português. “Já mencionei, mas vale repetir: em muitos países, as pessoas te tratam com distanciamento ou até condescendência quando você não fala o idioma. Aqui, não senti isso. Aprecio a paciência que as pessoas demonstram durante o meu processo de aprendizagem.”

Academicamente, Yaroslava planeja ministrar palestras e minicursos sobre ferramentas digitais em análise textual, além de dar continuidade às pesquisas que desenvolvia em sua terra natal. Seus campos de estudo também incluem o uso de inteligência artificial em traduções e seus efeitos no campo literário, bem como textos de viajantes ucranianos que passaram pelo Brasil e vice-versa. “Em essência, pesquiso o contexto literário ucraniano-brasileiro utilizando ferramentas digitais”, resume.

Yaroslava mantém contato com descendentes de ucranianos em Ponta Grossa, com outros colegas no Paraná e, principalmente, com sua família, com quem fala todos os dias. Eles moram não muito longe da usina nuclear de Zaporizhzhia. “Tento não pensar na possibilidade de um ataque, acidental ou deliberado, à usina, que poderia causar um desastre nuclear”, comenta.

Sobre os planos para o futuro, Yaroslava procura encará-los de forma flexível e aberta, devido à imprevisibilidade que tem enfrentado. Ao mesmo tempo, afirma estar comprometida em continuar suas pesquisas, desenvolver projetos que promovam o diálogo cultural entre Ucrânia e Brasil e contribuir para uma maior visibilidade global dos estudos ucranianos. “E, acima de tudo, espero uma resolução pacífica e justa para a guerra e para o futuro da Ucrânia como um país livre”, completa.

Amor ao próximo

A Cáritas é uma organização humanitária ligada à Igreja Católica. Quando um migrante chega a Ponta Grossa, a instituição, ao ser procurada, é uma das primeiras a acolhê-lo, um trabalho que conta com o auxílio do Promigra.

A assistente social da Cáritas Diocesana, Erica Francine Pilarski Clarindo, destaca a importância da parceria. Ela relata que, ao levar a ideia de um curso de português para os migrantes, foi prontamente atendida pela UEPG. “Vemos o trabalho tomar corpo e valorizar as pessoas, dando-lhes dignidade. Acredito que esse é o principal papel da Cáritas e da Universidade: acolher e proporcionar uma melhor qualidade de vida”, destaca.

Gislaine da Rosa, também assistente social na Cáritas, atende perfis variados de migrantes e ressalta que ainda existem olhares distorcidos sobre eles. No entanto, afirma que a maioria dos que vêm para Ponta Grossa são qualificados. “Eles têm muito a acrescentar, trazendo novos conhecimentos para o comércio e para as empresas. É uma mão de obra rica, de gente que quer recomeçar. Eles valorizam o Brasil e tudo o que o país lhes oferece”, observa.

As palavras de Gislaine encontram eco na pesquisa de Anna Isabela Ringvelski Costa, que apresentou a dissertação “Migração e inserção laboral: trajetórias e desafios de migrantes no acesso ao mercado de trabalho formal de Ponta Grossa/PR”, no programa de Ciências Sociais Aplicadas da UEPG. “Observei que migrantes qualificados acabam ocupando postos de menor qualificação, em parte pela dificuldade de revalidar seus diplomas e, em parte, pelas restrições impostas pelo idioma e pela burocracia”, relata.

Anna também verificou relatos de jornadas de trabalho duplas ou triplas, resultando em exaustão física e mental. “As mulheres que tentaram funções de limpeza, cuidadora de idosos ou caixa de supermercado, relatam falta de reconhecimento, baixos salários e dificuldade de conciliar o trabalho com as demandas dos filhos”, conta.

Outros dados da pesquisa sugerem que a obtenção de emprego ocorre mais por indicação do que por canais oficiais, que homens conseguem trabalho mais rápido e que mulheres, principalmente as com filhos, enfrentam maiores barreiras. “Apesar da existência de vagas, há dificuldades com a língua, falta de informação e preconceitos. Isso evidencia a urgência de políticas intersetoriais que considerem raça, classe e gênero, indo além da simples oferta de vagas”, conclui Anna.

Em seu estudo, foram entrevistadas 13 pessoas: nove mulheres e quatro homens, de nacionalidades venezuelana, colombiana, haitiana e cubana.

A importância do Promigra

A coordenadora do Promigra, professora Lenir Aparecida Mainardes da Silva, destaca que todo processo migratório envolve expectativas e que os estrangeiros que se deslocam para Ponta Grossa enfrentam os mesmos desafios de outros locais do Brasil: barreira linguística, demora para regularizar a documentação, desconhecimento sobre seus direitos e dificuldade em revalidar diplomas. Por isso, segundo ela, o trabalho da UEPG nessa adaptação é fundamental. “Acredito que, para pessoas migrantes, é importante saber que existem instituições capazes de recebê-las e tratá-las com respeito, garantindo que se sintam seguras e acolhidas”, explica a docente.

Fomento ao empreendedorismo

A professora do Departamento de Administração da UEPG, Marilisa do Rocio Oliveira, revela que está sendo preparado um projeto de extensão para trabalhar o empreendedorismo entre os migrantes, com previsão de início no segundo semestre deste ano. “Eles desenvolvem algumas atividades, mas não sabem como formalizá-las. Estamos finalizando um projeto para capacitá-los na elaboração de um plano de negócio, precificação e divulgação, pois eles têm grande interesse em participar de feiras”, explica a professora, que também representa a UEPG no Comitê Municipal para Migrantes, Refugiados e Apátridas.

Curiosidade

Desde 2023, existe por Lei a Semana do Migrante e do Refugiado, celebrada anualmente entre 19 e 23 de junho. Conforme a lei, nesse período, deve-se “discutir o fenômeno migratório humanizado”, “promover e difundir os direitos, liberdades e obrigações dos migrantes” e “incentivar o debate sobre políticas públicas, com apresentação de alternativas de empregabilidade e integração cultural”.


Texto: Helton Costa/Fotos: Helton Costa e Fabio Ansolin.

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