

Em uma manhã fria de inverno, Rodrigo Martins passa café enquanto se prepara para o trabalho, na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Ele serve duas xícaras; assim que enche a primeira, a leva para o quintal e coloca sob os pés de uma imagem de Preto Velho. Ele retorna para a cozinha, toma um gole da xícara e retira uma toalha que cobria o toca-discos Numark prateado. O silêncio contemplativo da fria manhã é, então, quebrado com uma mescla de ritmos da banda Big Star. O UEPG Extraordinária da semana conta a história do técnico administrativo que tem uma coleção de discos, iniciada há mais de duas décadas.
Rodrigo é um verdadeiro aventureiro pelas diferentes bandas e estilos que fogem do radar do grande público. Músicas, obras literárias, filmes e toda forma de cultura que circula fora de grandes meios de mídia comercial recebe o título “Underground“- termo em inglês utilizado para definir a arte que experimenta e ousa fugir de padrões comerciais, sempre carregada de forte mensagem social, e que Rodrigo está muito familiarizado.
Dorival Caymmi, Nirvana, Frank Zappa. Cuidadosamente, Rodrigo revela verdadeiros tesouros da música à medida que tira discos das fileiras nas prateleiras, que guardam mais de duzentos álbuns. Cada álbum conta histórias de bandas e estilo musicais diversos; e Rodrigo conta todas com detalhes. A coleção, que começou tímida, na adolescência, hoje também conta com mais de 500 CDs. Além da quantidade, o acervo de Rodrigo se destaca pela diversidade, orbitando entre diversos gêneros, desde o ritmo pesado do Punk, passando pelas brasilidades até as experimentações do Jazz. Na prateleira há espaço para músicas consagradas de artistas famosos, mas são as obras mais originais e experimentais que fazem os olhos de Rodrigo brilhar.
“O meu interesse por esse mundo underground começou antes da música, já na infância, quando frequentava bancas de jornal no centro de Curitiba e me apaixonei pelo humor ácido dos quadrinhos de Angeli e Laerte, na revista Chiclete com Banana”, conta. Foi aos 15 anos que Rodrigo se encantou com um tesouro na prateleira de um sebo – o disco de vinil Rain Dogs, de Tom Waits. “Para mim, foi uma inovação musical de rock experimental que abriu portas na minha mente”. Na época, o CD ganhava popularidade, fazendo com que o vinil explodisse nas prateleiras a preços acessíveis, a oportunidade que Rodrigo esperava para cair de vez no universo musical.
O servidor conta que a virada do século foi um verdadeiro prato cheio para os fãs de rock, com álbuns de bandas famosas ocupando as prateleiras de sebos e bancas, enquanto bandas independentes se arriscavam em palcos, como o extinto Café Beatnik, de Curitiba, frequentado por Rodrigo enquanto era universitário do curso de Letras, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). O momento criou uma efervescência musical de ritmos e diferentes mensagens que inspiraram Rodrigo na sua jornada pela Música.
“Todo colecionador tem um pouco de acumulador, né”, brinca, “a diferença é que quando você amadurece, você sai das produções em inglês para descobrir um universo de sons de diferentes culturas, inclusive aqui no Brasil. Aí você começa a explorar as histórias que as obras contam e como conversam com outros ritmos”. Ao longo dos anos, a coleção de álbuns foi crescendo, tanto em exemplares, quanto em estilos musicais e tornou-se uma verdadeira página contendo a história da Música. Em meio aos discos que Rodrigo guarda no armário da sala, o servidor cuidadosamente pega um verdadeira tesouro – uma coletânea que reúne, entre outras pérolas, Pelo Telephone, a primeira composição de samba gravada.
Para Rodrigo, a música também é uma forma de conectar-se com o mundo e está presente em outros aspectos da sua rotina. Foi por meio do samba, por exemplo, que Rodrigo se encantou pela cultura afro-brasileira e passou a frequentar o terreiro: “a música é muito presente na Umbanda, é central para a religião, digamos assim. Então a música também faz parte da minha identidade”. A exploração dos diferentes estilos musicais também se conecta com a formação política e os gostos literários do entusiasta. “Muito da literatura que eu consumia também está ligada à música. Desde muito tempo eu ouvia Nirvana, sem saber que o Kurt Cobain se inspirou nas obras de Charles Bukowski e William Burroughs, que são grandes referências para mim”.
“Acho que o meu trabalho de colecionador também tem relação com meu emprego, porque é a paixão que move esse resgate pela preservação do conhecimento e resgatá-lo do esquecimento”, reflete Rodrigo, que é servidor da UEPG desde 2012, quando entrou para a Biblioteca Central (Bicen) da Universidade e, posteriormente, para a Editora UEPG. “O mundo da música traz muitas coisas incríveis para as pessoas conhecerem, mas que não vai cair no colo delas. Acho importante que as pessoas parem de consumir cultura passivamente e buscar referências em outros canais. Vão ao sebo, busquem na internet, frequentem shows”, finaliza Rodrigo.
UEPG Extraordinária
Esta reportagem faz parte de uma série que conta o que servidores – professores e agentes universitários – fazem de notável ou excepcional em seu tempo livre – hobbies, esportes, atividades culturais, habilidades, voluntariado, etc. Para sugerir pautas e histórias para a série “UEPG Extraordinária”, é só entrar em contato pelo e-mail ccom@uepg.br.
Texto e fotos: Gabriel Miguel