UEPG Extraordinária: a arte em miniatura e o voluntariado de Mario Cezar Lopes

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Ao entrar no ateliê de Mario Cezar Lopes, é impossível não se perder nos detalhes. Há pedaços de madeira empilhados com cuidado, pessoas minúsculas em potes de vidro e representações de prédios antigos à espera de acabamento. Em cada canto, uma maquete em progresso, uma ideia em pausa ou uma memória em forma de miniatura. Aos 64 anos, o professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) guarda, em escala reduzida, pedaços da história local, da geografia e da própria vida.

A relação de Mário com as maquetes começou bem antes da sala de aula ou do ateliê. Seu primeiro contato foi na infância, em Piraí do Sul, quando modelava soldadinhos de argila com os primos. “Eu também fazia carrinhos de madeira, gostava muito de trabalhar com isso. Sempre tive facilidade para fazer essas miniaturas”, recorda. Mais tarde, viria a atuar como bombeiro por quase dez anos, chegou a ser sargento, mas nunca deixou de produzir pequenas peças e explorar as diferentes formas de fazer. “Como hobby, eu construo maquetes desde sempre”.

Em 1989, ele se formou em Geografia pela UEPG, e nos anos seguintes começou a atuar como professor na educação básica. Foi então que o fascínio de Mario pelas representações em miniatura ganhou um novo propósito. Como educador, ele passou a desenvolver mapas em alto-relevo que ajudavam a explicar conceitos geográficos a partir da tridimensionalidade. Um deles, um mapa do estado do Paraná moldado a vácuo, chegou a ser utilizado em um projeto do governo e distribuído para escolas em todo o estado. Muitos outros materiais foram construídos especificamente para trabalhar em sala de aula. “Hoje, quando encontro meus alunos dessa época, eles não lembram de quase nada que eu ensinei para eles, mas das maquetes eles não esquecem”, brinca Mario. A experiência acumulada na produção de maquetes passou a ser compartilhada com colegas, utilizando modelos simples e técnicas adaptadas ao uso pedagógico. “Na geografia, trabalhei muitos cursos para que outros professores e alunos aprendessem a fazer algumas maquetes didáticas, coisas básicas. Já para construir uma maquete profissional, você precisa de materiais, ferramentas, de um local adequado e um espaço para armazenar tudo”.

A produção de uma maquete pode exigir vários meses de dedicação, e Mario busca ser o mais detalhista possível. Cada peça exige pesquisa minuciosa: fotografias antigas, referências de época, técnicas de envelhecimento e muita paciência. “Levei mais de um mês só para fazer a chaminé de uma cervejaria da década de 40. Precisava calcular as camadas de tijolos, acertar a cor e o desgaste”. O tamanho e a finalidade do projeto definem os materiais e as técnicas que serão utilizadas, o que necessita de muito planejamento. “O mundo das maquetes é enorme, então tem que pensar em cada detalhe com carinho. Dependendo da escala, muda totalmente a forma de fazer. Por exemplo, se for representar o estado do Paraná inteiro, você usa uma técnica; se for só a Serra do Mar, é outra. Tem gente que vai dizer: ‘Nossa, loucura fazer esse tipo de coisa’. Mas eu gosto”.

Maquetes que contam histórias

No acervo de Mario, as maquetes históricas são as que mais chamam atenção, algumas feitas por encomenda, outras por puro interesse em registrar o passado. Uma delas representa a antiga Estação Paraná, em Ponta Grossa, ambientada nos anos 1910. “Gosto de colocar dinamismo nas maquetes para mostrar que elas representam uma coisa real, não são fictícias. Algumas pessoas olham e pensam que está inacabada, mas depois veem os detalhes: tem gente pintando a cerca, outros construindo. A ideia é mostrar que a maquete tem vida, é uma cena em movimento”, explica. Nem todo trabalho resiste ao tempo. Um foi atacado por cupins, outro acumulou teias de aranha e acabou com a pintura danificada. Mas ele não se frustra. “A gente vai aprendendo com o tempo. O erro vai acontecer naturalmente, e na próxima você faz diferente”. 

Algumas obras já saíram do ateliê e foram parar em museus, comércios e instituições públicas. Uma das primeiras que Mário fez profissionalmente foi da Furna do Parque Vila Velha, uma peça funcional, com elevador em movimento, hoje exposta na Fundação Municipal de Turismo. “Quando é uma encomenda, eu faço a maquete, mas ela não é minha. Foi para alguém”, diz Mario. Esse distanciamento com as peças feitas sob encomenda é parte do processo. “A não ser quando tem manutenção, a gente acaba perdendo o contato com a maquete.” Outras, no entanto, continuam em sua casa, à espera de um destino coletivo. “Mais pra frente, minha ideia é montar um espaço, tipo museu. Já tenho o material, é só expor”.

Nos últimos meses, Mario viu a vida tomar um novo rumo. “Minha esposa faleceu recentemente, então agora tenho que planejar tudo de volta junto com as minhas filhas e ver o que nós vamos fazer”, conta. A proximidade da aposentadoria também trouxe novos planos, ou a vontade de tirar ideias antigas do papel. “Tenho que aumentar esse espaço, que já está pequeno. Quero fazer um ateliê maior e trabalhar com cursos de maquete, dar aulas uma vez por semana para quem tiver interesse”. 

Com dedicação exclusiva à Universidade, o tempo para novos projetos ainda é limitado. Mesmo assim, novas ideias não faltam, e Mario pretende colocá-las em prática no ritmo possível. Ele comenta sobre a intenção de criar réplicas da Estação Saudade, da Mansão Vila Hilda, da antiga Catedral de Ponta Grossa e de trechos da Rua Quinze de Novembro. “Quero fazer umas dez maquetes nos próximos anos, bem devagar. Um projeto tranquilo, sem pressa”.

Uma formação além do currículo

“Você tem a oportunidade de, em quinze dias, ter uma experiência que vai mudar a sua vida. É uma transformação completa”. Com a fala calma e um brilho no olhar, é assim que Mario define o seu trabalho voluntário no Projeto Rondon. Desde 2009, ano de sua primeira participação, foram 20 edições que o levaram a diversas regiões do país, em busca de promover a integração social e o desenvolvimento sustentável de comunidades carentes. Entre as experiências mais marcantes, ele cita atividades no Piauí, no Ceará e em Manaus. O projeto é uma ação coordenada pelo Ministério da Defesa, com a participação de estudantes universitários e instituições de ensino superior. 

“A participação no Rondon é destinada para universitários que estão da metade para o final do curso. Dois professores e oito alunos”, explica Mario. A limitação do número de participantes, no entanto, o levou a propor uma alternativa. “A gente começou a perceber que deixava muitos alunos de fora.” Foi então que, em 2015, nasceu a Operação Rondon Paraná, um projeto extensionista da UEPG. “Nesse primeiro ano, nós levamos cinquenta alunos. Fizemos atividades em cinco municípios do estado, e cada município recebia uma equipe da UEPG”. 

Segundo Mario, a intensidade da experiência deixa marcas. “Quando você volta do Rondon, você quer contar as histórias para todo mundo, mas às vezes as pessoas não estão interessadas em ouvir”. Para lidar com isso, o reencontro entre rondonistas se torna necessário. “Você começa a ligar para as pessoas que estavam lá com você e dizer: Vamos marcar um encontro para conversar sobre o Rondon, porque só quem viveu sabe”.

Em 2015, por causa do próprio Rondon, Mario começou a buscar mais conhecimento sobre práticas de educação não formal. A pesquisa o levou a um novo caminho. “Quando eu procurava alguns textos sobre a educação não formal, eu acabava caindo no escotismo. Sempre apareciam textos, teses, dissertações ou artigos sobre escotismo”, relata. Apesar de já conhecer o movimento de nome, nunca havia se envolvido diretamente. Um amigo, ao saber do seu interesse, foi direto: “Para entender sobre o escotismo, tem que entrar nele.” A princípio, Mario ficou hesitante. “Pensei: Poxa vida, já passei dos cinquenta anos, vou fazer o quê nos escoteiros?”.

Naquele ano, ele ingressou formalmente no movimento, e nunca mais se afastou completamente. Tanto para jovens quanto para adultos, o ingresso no grupo começa com um período de adaptação, que dura em torno de três semanas, para garantir que a pessoa realmente deseja fazer parte. Em seguida, vem a promessa escoteira: “Prometo, pela minha honra, fazer o melhor possível para cumprir meus deveres para com Deus e minha Pátria; ajudar o próximo em toda e qualquer ocasião; e obedecer à Lei Escoteira”, Mario recita em voz alta, relembrando o momento em que assumiu esse compromisso, dez anos atrás. “Essa promessa é dita na frente de todos, mas não é para o grupo, é para você mesmo”, ressalta.

Mario explica que as Leis do Escoteiro são um conjunto de dez princípios. A primeira afirma: “O escoteiro é honrado e digno de confiança.” Outros itens dizem, por exemplo, que o escoteiroé alegre e sorri nas dificuldade, é bom para os animais e as plantas, está sempre alerta para ajudar o próximo e procura fazer todo dia uma boa ação”. Mario acredita que, seguir esses princípios, muda a vida de uma pessoa. “A partir do momento que você faz esse juramento, você já começa a se policiar em algumas coisas, não pode ser uma pessoa sacana. Então passa a ser um propósito de vida”, afirma.

Com o envolvimento crescente, vieram também as formações internas. “Fiz alguns cursos dentro dos escoteiros: nível preliminar, nível intermediário e nível avançado, que é uma formação para os adultos, como se fosse um doutorado”, explica. Ao final do processo, recebeu a Insígnia de Madeira, um distintivo de reconhecimento internacional. Depois disso, passou a atuar também como formador de novos escoteiros e chefes. “Outra coisa que eu gosto dos escoteiros é porque a gente consegue contribuir para a formação dos mais jovens”, afirma. Dentro do grupo, o aprendizado se dá na prática e a autonomia dos jovens é essencial. “As pessoas que estão nos escoteiros vão aprender fazendo. O escotismo funciona sobre, por e pelos jovens. São eles que determinam tudo, com a supervisão dos adultos. O adulto só supervisiona para não acontecer nada grave, mas o chefe não vai fazer nada por você. Só acompanha”.

Mario conseguiu unir os dois mundos, e no ano seguinte ao ingresso, levou os primeiros escoteiros para participarem das atividades do Rondon. “Qualificou ainda mais as nossas ações, porque os escoteiros têm alguns aprendizados, algumas coisas da prática que são muito diferentes. Conseguiram dar uma qualidade para o Rondon de uma forma muito legal”, relata. No escotismo, a participação é sempre voluntária. “Tanto os mais jovens quanto os chefes, ninguém recebe para isso, e você só pode estar lá se quiser estar lá”, afirma. Mario reforça que não se trata de obrigação, nem deve ser imposto por pais ou responsáveis. “Se você é um jovem e quer ir para o escoteiro, beleza. Mas se é porque seu pai ou sua mãe está insistindo, e você não quer, não vá, porque não vai dar certo.” A vivência prática é o centro da proposta. “Tem que gostar de se sujar, de fazer as atividades, de fazer trilhas. Se não gostar, não adianta. Às vezes, a gente acaba passando frio no acampamento, tendo que comer comida que não foi bem cozida”.

O voluntariado, presente tanto no escotismo quanto no Rondon, hoje é parte da vida do professor Mario. “Eu me sinto privilegiado de poder trabalhar em dois grupos que eu não ganho nada, mas que me dão um retorno muito grande nessa questão de poder contribuir para a sociedade”, relata. Segundo ele, essa experiência está ausente na formação tradicional. “A universidade por si só não ensina isso para nós. Não ensina o voluntariado, não ensina a ser uma pessoa diferente que faça diferença no mundo.” Ao longo do tempo, Mario percebeu que os valores do escotismo e do Rondon começam a se integrar na vida de quem participa. “Sempre que alguém do teu lado está necessitando de algo, você não vai ficar parado com a mão no bolso, fingindo que não vê. Então quando você começa a exercitar isso, como ser generoso, uma hora começa a perceber que está sendo generoso naturalmente.” Segundo ele, essa mudança se estende ao convívio familiar, ao trabalho e ao círculo de amigos. “Até que alguém vai dizer: ‘Nossa, você está diferente! O que está acontecendo?’ Nada. Simplesmente me sinto bem assim”.

Texto: João Pizani | Fotos: Erica Fernanda. Fotos de arquivo: Mario Lopes


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