

Maria Helena coloca sobre a bancada vários pães, assados com carinho por ela. Ao seu lado, Janete expõe, com orgulho, as bijuterias feitas por ela, à espera de compradores. Também há espaço para deliciosos lanches, brinquedos bordados à mão e um colorido varal de roupa. A cena, que parece corriqueira em qualquer feira livre, acontece nos corredores da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), onde ocorre a Feira de Economia Solidária (Fesu)- organizada por mulheres que um dia integraram a Incubadora de Economia Solidária (Iesol) e hoje são protagonistas das suas fontes de renda.
A Iesol é um programa de extensão da UEPG, que celebra vinte anos de atividade em 2025. As feirantes, que se reúnem na entrada do Bloco B do Campus Centro, toda quinta-feira, são exemplo do poder transformador de duas décadas dedicadas a pensar um futuro coletivo, sustentável e solidário – onde os conhecimentos aprendidos na Universidade se unem aos saberes populares e se transformam em soluções inovadoras para a vida das pessoas.
Os professores, técnicos e estudantes que compõem a equipe da Iesol, hoje um dos maiores programas extensionistas da UEPG, têm como missão a mesma iniciada em 2005: incubar, fomentar e organizar empreendimentos de economia solidária em Ponta Grossa e região, por meio da formação contínua e da troca de experiências com grupos de trabalhadores de diversas áreas, como reciclagem, artesanato e agricultura; que se transformam em agentes de economia solidária e seus empreendimentos em fontes de renda para suas famílias.
Ao longo de vinte anos, a Iesol deixou uma marca na comunidade e proporcionou a diversos grupos a oportunidade de se organizar e transformar suas práticas, modos de viver e habilidades em formas de se integrar economicamente à sociedade. Em sua trajetória, a Iesol incubou mais de vinte iniciativas- somados os grupos apoiados e parceiros do Programa, o número supera os quarenta. Atualmente, seis iniciativas são incubadas e contam com os conhecimentos dos técnicos e estudantes do Programa que, com suas diferentes formações, contribuem para o desenvolvimento de atividades e transmitem os princípios de autogestão e sustentabilidade.
Os empreendedores que passaram pela Iesol viram suas vidas se transformar de diversas formas pela troca de conhecimentos vivida no programa. Essa transformação envolve utilizar os conhecimentos que já carregavam como uma fonte de renda, em conformidade com os ideais de cooperação, respeito à natureza e a autogestão, bases da economia solidária e que são passados adiante por esses trabalhadores.
“Hoje a gente não tem mais aquela incerteza que vai ter trabalho em um dia e no outro dia não. Para mim, foi muito bom a passagem pela Iesol”, exalta Maria Helena Pinheiro, conhecida como dona Lena, que há doze anos trabalha sob a incubação da Iesol e hoje compartilha as experiências e saberes com suas colegas de Feira de Economia Solidária, onde trabalha vendendo pães, doces e lanches. “O sentimento é de gratidão pelo pessoal da universidade que acolheu a gente e acompanhou nessa caminhada. Mudou completamente minha vida”.
Para Janete Sales Rosa, colega de Lena na Feira, onde vende bijuterias e objetos decorativos, a Iesol teve papel essencial em sua vida. “O projeto nos fortaleceu e mostrou caminhos para sermos perseverantes. A Iesol nos mostrou o caminho a seguir, que foi muito importante para o nosso crescimento e como podemos trabalhar para apoiar uns aos outros, juntos”.
Comemoração
Para celebrar os vinte anos do programa, a equipe da Iesol realizou, entre os dias os dias 24 e 25 de setembro, o evento Economia Solidária: construindo futuros coletivos, que contou com palestras, atrações culturais, trocas de experiências com outras incubadoras universitárias e uma série de atividades para comemorar as ações da Iesol. O espirito coletivo que move as ações da Iesol esteve presente desde a abertura, ocorrida no auditório do Setor de Ciências Sociais Aplicadas (Secisa), no Campus Centro, que promoveu o encontro da equipe de servidores e alunos, egressos que passaram pelo programa, membros dos projetos incubados e parceiros de movimentos sociais.
A coordenadora da Iesol, professora Reidy Rolim de Moura, abriu a cerimônia destacando que o sucesso do Programa está ligado ao acúmulo de saberes e práticas que permitem aos estudantes vivenciar de forma concreta a transformação social que a universidade pode promover. “Também destaco a importância das parcerias e agradeço de maneira muito especial aos grupos e empreendimentos incubados, que são protagonistas dessa caminhada. São vocês que, com seu trabalho, sua criatividade e sua resistência, mostram na prática a força da economia solidária e sua capacidade de gerar alternativas reais de desenvolvimento e de inclusão” celebra a coordenadora.
“A UEPG é uma ferramenta de transformação e desenvolvimento social, que se dá por meio de programas como a Iesol. É este contato com a comunidade realizado há vinte anos que nos torna relevantes”, exalta o reitor da Universidade, professor Miguel Sanches Neto. Ele recorda a felicidade em poder contribuir, em diferentes momentos, com as atividades da Incubadora desde seu surgimento, quando esteve a frente da Pró-reitoria de Extensão (Proex) da UEPG. “Levar o conhecimento para fora dos muros da UEPG é sempre um desafio, mas a Universidade deve ser a primeira instituição a estender a mão à comunidade”, reforça.
A pró-reitora da Proex, professora Beatriz Gomes Nadal, parabenizou a equipe do programa por traduzir os valores que a Universidade ensina em ações que impactam a comunidade. “Muito mais que um aprendizado em sala de aula, a Iesol é uma experiência que permite que nossos alunos vivam a democracia, a inclusão e a solidariedade em seu dia-a-dia”. Para a chefe do Secisa, professora Sandra Scheffer, o trabalho da Iesol pode ser traduzido pela “garra e amor de todos que fizeram parte da história do programa, ao longo de vinte anos”.
“A economia solidária realiza sonhos”, declara Maria Helena Gonçalves Pinheiro, a dona Lena, que representou os empreendimentos incubados pela Iesol na abertura do evento. Assim como outros agentes de economia solidária ali presentes, Lena explica como utilizou os conhecimentos aprendidos junto à Incubadora para criar fontes de renda e transformar sua vida. “Nunca imaginei que chegaria perto do reitor de uma universidade, mas a Iesol me ensinou que a universidade também é o meu lugar, é o lugar de todos”.


“Nunca imaginei que chegaria perto do reitor de uma universidade, mas a Iesol me ensinou que a universidade também é o meu lugar, é o lugar de todos”
Após a solenidade de abertura, ocorreu sessão de apresentação de trabalhos, onde estudantes e técnicos membros da Iesol trouxeram diferentes perspectivas da atuação do programa. Em seguida, o pesquisador e formador de agentes de economia solidária Luis Alves Pequeno palestrou sobre as políticas públicas voltadas ao fomento de iniciativas na área.
Para ele, um programa como a Iesol completar vinte anos promovendo a economia solidária é de extrema importância. “A economia solidária surge como contraponto ao individualismo. Quando a Universidade coloca profissionais e recursos nesse processo, ela vai ao encontro de conhecimentos produzidos fora dela”, explica Pequeno.
Nasce a Iesol


Sua inspiração foram outras experiências de economia solidária praticadas em universidades brasileiras. A servidora técnica Manuela Brasil foi uma das idealizadoras do projeto e relata que as discussões iniciaram anos antes: “A ideia surgiu a partir de um ‘Iesonho’, como brincamos por aqui”.
“Lá atrás, quando a Iesol surgiu, não acreditávamos que ela atingiria o tamanho que tem hoje. Não imaginávamos que chegaria aos vinte anos, mas hoje consigo imaginar os próximos vinte, quarenta, cem anos de promoção à economia solidária”, celebra, emocionada. A técnica ressalta que o seu modo de ver o mundo mudou graças à Iesol: “Eu vim de outro setor da Universidade e trabalhava de uma forma mais individualista. Tendo passado pela Iesol, hoje entendo a importância do trabalho coletivo e não me imagino trabalhando de outra forma daqui pra frente”.
Um dos primeiros coordenadores da Incubadora, professor Luiz Gonçalves Cunha, do Departamento de Geociências da UEPG, explica que no início se buscava aproximar a Universidade das demandas de populações em vulnerabilidade social e proporcionar opções de geração de trabalho e renda aos trabalhadores que não conseguiam inserção na economia formal. “Ao mesmo tempo, possibilitava um espaço para concretizar a possibilidade de envolvimento de professores e acadêmicos em atividades de extensão”, relata.
“Na época havia um debate nacional sobre economia solidária e suas possibilidades de inclusão de grupos em alternativas de trabalho, a UEPG não poderia ficar de fora”, exalta a professora Danuta Estrufika Cantoia, do Departamento de Serviço Social, que também esteve à frente da incubadora em seu início. Ela conta que um dos primeiros projetos incubados foi a Associação de Trabalhos Manuais São José (Astrama), entre 2007 e 2008, voltado ao artesanato em tecido e marcenaria produzido por mulheres. “No início, enfrentamos desafios em apresentar preceitos da Economia Solidária em grupos que estavam acostumados em um esquema de trabalho tradicional, mas que foram sendo superados com o caminhar dos projetos da Astrama”.
Danuta avalia que a Iesol transmite um legado de vinte anos, que atinge duas dimensões: “Uma dimensão imaterial, onde a formação acadêmica também sinaliza a propagação da cultura da economia solidária entre estudantes e os grupos incubados. A outra, a dimensão material, é aquela que incide diretamente na vida de grupos incubados, abrindo possibilidades concretas de geração de trabalho e renda”. O professor Luiz Cunha reforça o legado da Incubadora na formação de profissionais preocupados com o humanismo em sua atuação.
Vinte anos depois
A Incubadora teve uma caminhada longa e muito bonita, na visão da sua atual coordenadora, Reidy Rolim de Moura, professora do Departamento de Serviço Social da UEPG. Para a professora, a Iesol se consolidou em fomentar os princípios da economia solidária – solidariedade, sustentabilidade, autogestão e igualdade de gênero; e a tornou referência para outras incubadoras e iniciativas populares de economia solidária pelo Brasil.
Reidy atribui o sucesso do programa ao esforço do coletivo, formado pelos professores, estudantes, técnicos e trabalhadores incubados. “A Iesol só é possível, ela só acontece, porque trabalhamos essa perspectiva do coletivo, onde a gente abraça as demandas e pode contar um com os outros. Além de ser a única maneira de vencer todo o volume de trabalho, a gente aprende muito trabalhando em conjunto”, exalta a coordenadora.
Para além do impacto regional, as suas duas décadas de existência permitiram à Incubadora sua articulação em rede com outras iniciativas em nível municipal, estadual e federal para o desenvolvimento de políticas públicas voltadas ao fomento da economia solidária. Uma das conquistas da atuação política da Iesol foi ter apoiado a criação da lei municipal que institui a Política Municipal de Fomento à Economia Solidária (11.046/2012). “Trabalhamos intensamente para que essas leis se consolidem e atendam o público que mais necessita de políticas de incentivo à economia solidária”, reforça a coordenadora.


“O que é essa economia solidária que estamos debatendo? Pode ser que ela esteja sendo compensatória, mas a gente está lutando para que ela saia dessa condição e vire uma política pública possível para quem quer trabalhar nessa perspectiva. E, neste sentido, nosso trabalho é buscar que a economia solidária se consolide como política pública”.
Os alunos que passam pelo programa são inseridos em atividades de planejamento e execução de ações em conjunto e conseguem avaliar o resultado dessas ações pelo retorno da comunidade. “A Iesol me mostrou que a Universidade não se limita por si, mas é componente de um sistema onde você trabalha com o mundo”, exalta o acadêmico de Serviço Social, Victor Santos Borges. Mais que aprimorar suas habilidades sociais, a experiência na Incubadora permitiu a Victor e sua colega, Bianca Rafaela de Mello, perceber que um mundo mais justo não é utopia, mas uma possibilidade. “Conseguimos superar essa ideia de utopia, quando conversamos com os incubados e percebemos o impacto do trabalho que estamos desenvolvendo, enquanto estudantes”, celebra Bianca.
Egressos da UEPG que passaram pela Iesol relatam o impacto das experiências ali vividas para sua vida profissional. “Minha visão de mundo mudou depois da Iesol e me ajudou a enxergar os problemas sociais de forma mais clara. Isso direcionou meus estudos para áreas em que eu pudesse contribuir de maneira prática para melhorar a sociedade. Foi assim que me aproximei da inovação e como podemos discutir a tecnologia por um olhar humanizado”, relata a advogada Lidiane Peres, técnica do Programa Inova, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
“Sem dúvida, há uma reciprocidade: a Iesol me transformou e eu transformei a Iesol. A minha percepção sobre coletividade encontra fôlego no suporte que o programa oferece e é muito legal poder ser ponte entre sonhos e a materialização política e crítica, deles na cidade e no campo”, exalta Clara Prado, que conta com duas passagens pela Incubadora – a primeira quando cursou Letras e a segunda no momento, como acadêmica de Direito.
O impacto da Iesol e da economia solidária é cientificamente comprovado pelo alto volume de pesquisas desenvolvidas na UEPG sobre a Incubadora e que trazem os resultados das suas ações. Luiza Lourenço Nunes foi uma dessas pesquisadoras que se debruçaram sobre os efeitos do trabalho da Iesol na comunidade e seu projeto de mestrado em Ciências Sociais Aplicadas, da UEPG, sobre gestão de resíduos em assentamentos rurais. “Minha experiência anterior como extensionista na Iesol influenciou na pesquisa e vice-versa. Vejo a economia como um campo muito fértil para o desenvolvimento de pesquisas”, destaca.
Texto: Gabriel Miguel, com apoio de Gabriel Ribeiro | Fotos: Amanda Santos, Domitila Gonzalez, Gabriel Miguel, Helton Costa, Jéssica Natal, Larissa Godoy, Rafaela Koloda e equipe Iesol (Arquivo pessoal)



















































