



Egressa do curso de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Isadora levou à sua carreira internacional os aprendizados e vivências da graduação. “Mais do que decorar leis ou interpretar códigos, o curso me ensinou a colocar a dignidade humana no centro de tudo”, destaca. A sua perspectiva sobre a área, entretanto, a distanciava das carreiras tradicionais, como a advocacia, e priorizava o papel do conhecimento acadêmico na construção de uma sociedade mais justa.
“Desde o começo, ficou claro para mim que meu interesse não estava tanto na frieza da lei, no ato de decorar artigos, mas sim no que está por trás das normas. O que é justo? Quais são os direitos que realmente transformam a vida das pessoas? Acho que eu entrei no curso querendo fazer justiça e não necessariamente Direito, no sentido mais técnico”, recorda.


Atualmente, Isadora ocupa a função de Reporting Officer no Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), braço da ONU que protege e assegura os direitos das pessoas forçadas a fugir de suas casas devido a guerras, perseguições ou conflitos armados. O trabalho compreende tarefas de comunicação, elaboração de relatórios, relacionamento com doadores, avaliação de fundos e coordenação entre agências. “Aqui tenho a oportunidade de estar quase que diariamente em contato com as pessoas que servimos, e, quando podemos, celebrar as pequenas vitórias com elas. Tudo ganha sentido”, comenta.


Em entrevista à Coordenadoria de Comunicação da UEPG, ela relata em detalhes como foi a sua trajetória até a ONU, comenta os desafios da carreira internacional e oferece dicas para quem deseja atuar no terceiro setor.
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Onde você nasceu e passou a sua infância? Como foi a sua formação?
Isadora: Eu nasci em Curitiba, mas a maior parte da minha infância foi em Ponta Grossa, no Paraná. Meus pais trabalhavam mudando bastante de cidade, mas quando eu tinha uns quatro anos, a gente se estabeleceu em Ponta Grossa e foi lá que cresci, estudei e vivi boa parte da minha formação. Desde pequena, eu era aquela criança que gostava de falar e de ajudar. Se um coleguinha na escola passava por alguma situação difícil, ou se rolava uma confusão e o professor não entendia bem o que tinha acontecido, lá ia eu levantar a mão e tentar explicar, resolver. Acho que por isso, desde cedo, muita gente dizia que eu devia ser advogada. Eu tinha mesmo esse impulso de tentar defender, organizar as ideias e buscar justiça. Com o tempo, isso foi se refletindo também nos meus interesses na escola. Eu sempre gostei muito de história, sociologia, filosofia, matérias que me ajudavam a entender o mundo, os porquês das coisas. E também participei bastante de movimento juvenil, de atividades de liderança, de representação estudantil, já bem envolvida nesse universo da sociedade civil desde nova.
Em que momento você começou a ter interesse pelo Direito? O que te despertou para essa área?
Isadora: O interesse pelo Direito foi se construindo aos poucos. No início, eu sabia que tinha uma vontade muito forte de ajudar os outros, de buscar justiça, de esclarecer o que é certo e de lutar por isso. Acho que isso se conectava com a minha facilidade de comunicação e meu jeito de me relacionar com as pessoas. Mas só mais tarde fui percebendo que tudo isso já apontava para uma carreira na área do Direito. Curiosamente, teve um momento bem específico que me marcou, mesmo que eu só tenha feito essa ligação anos depois. Quando eu era criança, assisti ao filme “Legalmente Loira”. Pode parecer engraçado, mas aquele filme me deixou fascinada. Eu queria ser aquela pessoa, alguém que defende os outros, que não segue o padrão, que enxerga além das aparências, e que tem coragem de ocupar espaços que muitas vezes não são feitos para ela. Aquilo me marcou muito. Quando entrei na universidade, foi como realizar um pedacinho desse sonho. Naquele ano, o curso de Direito tinha acabado de conquistar nota máxima na avaliação nacional e eu fiquei super empolgada de fazer parte disso, de entrar naquela história.


Isadora: Na universidade, as disciplinas que mais me interessavam eram aquelas que iam além da letra da lei. Eu gostava muito de Filosofia do Direito, Direito Constitucional, matérias que provocavam um olhar mais crítico, mais profundo, sobre os fundamentos da justiça. Desde o começo, ficou claro para mim que meu interesse não estava tanto na “lei seca”, no decorar artigos, mas sim no que está por trás das normas. O que é justo? Quais são os direitos que realmente transformam a vida das pessoas? Acho que eu entrei no curso querendo fazer justiça e não necessariamente Direito, no sentido mais técnico. Por isso mesmo, sempre busquei me aproximar de abordagens ligadas aos direitos humanos, à justiça social, a uma atuação transformadora. No meu TCC, por exemplo, escrevi sobre a desigualdade da mulher no mercado de trabalho, uma escolha que reflete bem esse meu interesse por uma abordagem mais social, mais humana. Mais do que legalista, minha visão sempre foi voltada para o impacto que o Direito pode ter na vida real das pessoas.
Após formada, qual foi o seu percurso?
Isadora: Quando me formei, eu tinha um desejo muito claro de trabalhar com direitos humanos. Eu até cheguei a aplicar para algumas vagas na área, mas, olhando hoje em retrospecto, percebo que eu não conhecia tão bem o campo. Às vezes, me candidatava para posições que ainda não estavam dentro da minha experiência e, ao mesmo tempo, eu pensava em fazer um mestrado fora do Brasil, mas sentia que precisava viver outras experiências antes. Pelo meu interesse nessa intersecção entre o social, o político e o internacional, decidi fazer uma segunda graduação, dessa vez em Relações Internacionais. Me mudei para Brasília e fui estudar na Universidade de Brasília (UnB). Por muito tempo, até me questionei se precisava mesmo de duas graduações. Às vezes parecia que eu estava dando um passo para o lado, e não para frente. Mas, com o tempo, percebi que todas essas escolhas foram fundamentais para construir a base da minha trajetória. Três meses depois de chegar em Brasília, consegui minha primeira oportunidade profissional, muito em função da minha formação em Direito. Comecei a trabalhar na Embaixada do Reino Unido. A partir dali, foi tudo se conectando: meu interesse por migração e refúgio, o papel das Nações Unidas, a agenda de desenvolvimento, a manutenção da paz, e assim, cerca de um ano depois, comecei a trabalhar na ONU. Entrei como estagiária e fui crescendo, novas oportunidades vieram, sempre dentro do sistema das Nações Unidas, até que internacionalizei minha carreira com uma missão no Sudão, e hoje sigo esse percurso aqui em Moçambique.
Como e em que momento a Agência da ONU entrou na sua vida? Foi preciso dominar mais idiomas ou buscar alguma qualificação específica?
Isadora: Trabalhar nas Nações Unidas sempre foi um sonho. Desde criança e estudante, eu me interessava pela ideia de trabalhar motivada pelo bem comum, pelos direitos humanos, pela união dos povos, contra a guerra. São valores bastante universais, mas que sempre me chamaram a atenção de uma forma muito pessoal. Eu lembro de um momento marcante, ainda na faculdade, durante a aula de Teoria Geral do Estado (na época com o Professor Guilherme Amaral Alves). Assistimos a um filme chamado “Em um Mundo Melhor”, um filme sueco que chegou a ganhar o Oscar, e que conta a história de um médico atuando na África. Aquilo me tocou profundamente. Eu não conseguia me enxergar nas carreiras jurídicas tradicionais, como advogada, promotora, delegada, juíza, mas ali, naquele filme, eu consegui me enxergar. Fazer aquilo. Fazer a diferença. A partir dali, comecei a buscar formas de contribuir. Cheguei até a pesquisar sobre o voluntariado na ONU, mas descobri que era preciso ter 25 anos para poder se candidatar (essa regra mudou desde então, com vagas inclusive para universitários).


Qual é o trabalho que você desempenha dentro da Agência?


Em todas essas funções, os papéis eram diferentes, mas um fio condutor sempre esteve presente: a comunicação. Tenho uma facilidade em sintetizar ideias e traduzir temas complexos de forma clara e acessível. Essa habilidade tem sido essencial, seja para escrever relatórios estratégicos, preparar propostas de financiamento para doadores, ou trabalhar com a mídia. Acredito que foi isso que me ajudou a me destacar nas diferentes funções que desempenhei até aqui.
Como funciona a lotação dos funcionários da Agência? Vocês escolhem ou eles designam para onde vão?
Isadora: O sistema das Nações Unidas se inspira em parte no modelo diplomático, como o do Reino Unido, e também possui influências de estruturas militares. Isso se reflete na organização hierárquica, nos critérios de rotação e nas classificações dos postos onde atuamos. Além do secretariado geral, existem agências especializadas, fundos e programas. O ACNUR, onde trabalho atualmente, é uma dessas agências especializadas. Os funcionários podem atuar em nível nacional ou internacional, em diferentes categorias: contratados locais, consultores, voluntários ou funcionários de carreira. Hoje sou funcionária internacional de carreira, o que significa que estou inserida em um sistema de rotação. Os locais onde trabalhamos são classificados de acordo com seu nível de dificuldade, variando de A (mais tranquilo) a E (mais difícil). Essa classificação considera fatores como segurança, acesso, infraestrutura e condições de vida.
Em quais lugares você já serviu? Por quanto tempo você permanecerá na Agência?


Quais os atendimentos mais comuns dentro da sua área na Agência?
Isadora: Talvez a melhor forma de explicar os serviços que prestamos seja convidar quem está ouvindo a se colocar no lugar das pessoas que atendemos. Imagine que você vive sua vida normalmente, na sua casa, com seus filhos, suas coisas, sua rotina. E, do dia pra noite, um ataque, um ciclone, um conflito, um desastre, algo te obriga a fugir. Você sai com a roupa do corpo, segura os filhos como pode, e isso é tudo. Às vezes nem isso é possível, tamanha é a urgência. Nesse cenário, os serviços que oferecemos são voltados a restaurar um mínimo de dignidade. Documentação civil, por exemplo: muita gente foge sem nenhum documento, sem identidade, sem certidão de nascimento, sem nada. Sem isso, como reconstruir a vida?
Também prestamos apoio psicossocial, especialmente para pessoas que foram vítimas de violência. Distribuímos kits de bens essenciais: tendas, cobertores, utensílios domésticos, roupas. Temos kits de dignidade para mulheres e meninas, com absorventes, roupas íntimas, itens de higiene, além do encaminhamento para os serviços de saúde. Também fazemos gestão de casos complexos, como situações de crianças separadas de suas famílias, pessoas com deficiência, ou outras vulnerabilidades que exigem acompanhamento individualizado. Esse é o contexto do deslocamento interno. Já no contexto do refúgio, como no Sudão, onde trabalhei, a atuação pode ser ainda mais ampla. O escritório onde eu estava gerenciava 10 campos de refugiados, com mais de 200 mil pessoas (e depois, com a guerra, esse número dobrou para 400 mil). Cada campo funcionava como uma pequena cidade. Trabalhávamos com tudo: desde a demarcação dos abrigos, construção de latrinas, gestão de saneamento, até a organização comunitária. Uma operação complexa, completa e profundamente humana.
Qual caso mais te emocionou ou te deixou reflexiva?
Isadora: Um dos casos que mais me emocionou foi o de uma reunificação familiar. A mãe havia sido traficada para fora do país e, após conseguir se libertar, ela nos procurou. Conseguimos localizar o filho dela e eu acompanhei pessoalmente a equipe que cuidou dele durante o trajeto. Ele só falava a língua local, que eu não entendia, mas a comunicação naquele momento era feita no olhar, no cuidado. Era um menino que nunca tinha andado de carro. A gente viajou dois dias por estradas difíceis, e eu me lembro que ele passou mal na primeira curva, com o movimento. Mas no meio daquele cenário, ver a confiança surgindo, ver ele se sentindo seguro, e no fim, vê-lo nos braços da mãe… é difícil descrever. Foi um daqueles momentos que mostram que, mesmo diante de tantos desafios e recursos escassos, nosso trabalho pode mudar vidas. Estar com ele no avião, segurar sua mão durante a viagem… foi uma jornada. E me lembrou por que a gente faz o que faz. Mesmo quando tudo parece gigante e impossível, há soluções, e é por isso que estamos aqui.
Como é o trabalho de adaptação à cultura local quando vocês chegam?
Isadora: Acho que isso é bastante individual e depende muito do perfil de cada pessoa. No meu caso, como sou bastante curiosa, tenho uma vontade genuína de aprender, então sempre quero ouvir, entender, conhecer. Vejo os colegas locais como a minha maior fonte de conhecimento. Muitas vezes, aproveito as longas horas que passamos no carro para fazer um milhão de perguntas para os motoristas e colegas de campo. Essas conversas sempre me ensinam muito. Para mim, uma das chaves da adaptação é estar disposta a ouvir, mesmo quando isso exige sair da zona de conforto. Claro que isso pode ser mais difícil em contextos onde a barreira do idioma está presente. Mas, se a gente quer realmente se integrar, entender melhor e apoiar de forma mais eficaz, é fundamental fazer esse esforço. A escuta ativa é, para mim, o primeiro passo da empatia.


Isadora: A diversidade está no DNA das Nações Unidas. Trabalhamos com pessoas de diferentes origens, culturas, idiomas, e isso vale tanto para os colegas internacionais quanto para os nacionais. Aqui em Moçambique, por exemplo, essa diversidade é visível mesmo entre os próprios colegas moçambicanos. O país tem uma riqueza cultural enorme e muitas línguas locais, então, às vezes, nem todos compartilham a mesma língua materna, mesmo sendo do mesmo país. Isso torna a convivência ainda mais rica e interessante. Como sempre, acho que respeito é o ponto de partida. Ter empatia, estar aberto ao olhar do outro, buscar compreender e não julgar, tudo isso ajuda o trabalho a fluir melhor. E é um privilégio poder ver o mundo a partir da perspectiva dos outros. Isso nos ajuda, inclusive, a encontrar soluções mais inovadoras e criativas para os desafios do dia a dia.
Quais os maiores riscos que vocês estão expostos no local onde você serve atualmente?
Isadora: Hoje, atuo em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, uma região onde o conflito ainda está ativo. Isso exige uma atenção constante aos protocolos de segurança. Trabalhamos sempre em coordenação com as equipes de segurança da ONU e com o governo local para avaliar riscos e garantir que nossas atividades ocorram em áreas seguras. Quando necessário, utilizamos equipamentos de proteção como coletes à prova de balas, capacetes e até veículos blindados, tudo isso em contextos específicos, com base em análises regulares da situação. Nosso trabalho não é estar na linha de frente do conflito, mas sim nos espaços seguros, próximos das populações deslocadas, oferecendo apoio e proteção. É um equilíbrio delicado entre presença e precaução. Seguimos protocolos rigorosos e buscamos sempre estar bem informados sobre o contexto, tanto para nossa própria segurança quanto para a continuidade do trabalho humanitário.
O que mais alegra seu dia durante o trabalho?
Isadora: O que mais me alegra, com certeza, são os momentos em que conseguimos ver o impacto real do nosso trabalho. Quando trabalhei no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, por exemplo, um dos meus maiores desafios era justamente não ter esse contato direto com as comunidades. Como o meio ambiente é uma área que traz resultados mais a longo prazo, muitas vezes a gente trabalhava muito, mas não via de perto o efeito daquilo. No ACNUR, isso mudou completamente. Aqui tenho a oportunidade de estar quase que diariamente em contato com as pessoas que servimos, e, quando podemos celebrar as pequenas vitórias com elas, tudo ganha sentido. Essa semana mesmo foi um desses momentos especiais. Mulheres que fazem parte do nosso espaço seguro, mulheres sobreviventes de violência de gênero, algumas delas que passaram por situações extremamente difíceis, como sequestros, hoje estão aprendendo a ler, a escrever, a iniciar seus próprios negócios. E uma das associações formadas por essas mulheres está participando de uma das maiores feiras comerciais de Moçambique, vendendo seus produtos de artesanato. É uma conquista enorme. É transformação real. Ver isso acontecendo, ver essas mulheres retomando a autonomia sobre suas vidas, alegra o meu dia, dá sentido ao meu trabalho, e faz todos os desafios valerem a pena.
Como os aprendizados na UEPG auxiliaram ou auxiliam no seu trabalho?
Isadora: Ter estudado Direito na UEPG, mesmo que hoje meu trabalho não esteja diretamente vinculado à prática jurídica, foi fundamental para a minha formação. Mais do que decorar leis ou interpretar códigos, o curso me ensinou a colocar a dignidade humana no centro de tudo. Mesmo nas atividades que parecem mais distantes do Direito, como quando estou trabalhando com comunicação, gravando um vídeo, escrevendo um texto ou explicando o trabalho da Agência, esse olhar jurídico e humanista faz toda a diferença. Ter essa base me permite entender a essência dos direitos humanos e me ajuda a pensar soluções mais adequadas, mais participativas e mais conectadas com a realidade das pessoas que atendemos. É esse olhar, formado na UEPG, que continua presente em tudo o que eu faço.
Como é a recepção das pessoas ao saber que você é brasileira? O trato é diferente daquele que é dado a outros estrangeiros?
Isadora: Acho que sempre depende do contexto. Aqui em Moçambique, por exemplo, há uma afinidade muito particular com o Brasil. Os moçambicanos têm grande exposição à nossa cultura, conhecem nossa música, acompanham novelas, seguem influenciadores, sabem quem são os famosos (e até os “infames”, como costumo brincar). É um carinho muito genuíno, e a recepção costuma ser bastante calorosa. Já em outros lugares, a reação varia. Muitas vezes existe aquela expectativa clássica: que eu entenda tudo de futebol, que ame carnaval, que esteja sempre animada. E aí eu costumo brincar dizendo que talvez eu não seja o melhor exemplo do “brasileiro típico”, não torço para time nenhum, não sou muito fã de carnaval. Então, é sempre uma oportunidade de mostrar que o Brasil é muito mais diverso do que os estereótipos que circulam por aí. Pouca gente imagina, por exemplo, que existe uma cidade como Ponta Grossa, com frio, granizo, gente usando casaco pesado, e que isso também é Brasil. Nessas conversas, sempre rola uma redescoberta mútua: eles descobrem que o Brasil é plural, e eu relembro a riqueza de onde vim. No fim das contas, acho que o que nos destaca como brasileiros em contextos internacionais é justamente essa familiaridade com a diversidade. Somos, em geral, pessoas abertas, flexíveis, que sabem lidar com o diferente, respeitar culturas e manter o sorriso, mesmo nas situações mais desafiadoras.


Isadora: Olha, não tem fórmula mágica, mas tem algumas coisas que aprendi ao longo do caminho e que talvez possam ajudar quem está começando ou sonhando com essa área. Comece com o que você tem e onde você está. Muita gente acha que trabalhar na ONU ou em organizações internacionais é um salto distante, que exige um currículo “perfeito” desde o primeiro dia. Mas a verdade é que dá para começar pequeno, local, voluntário. O importante é se envolver com causas que fazem sentido para você e entender o impacto real do trabalho no território. Isso constrói repertório e propósito. Tenha paciência com o processo. Nem sempre as coisas vão acontecer na velocidade que você gostaria. Você vai se candidatar para vagas e não vai receber resposta. Vai se sentir perdido, às vezes deslocado. Mas cada experiência, mesmo que pareça lateral ou “fora do caminho ideal”, pode te aproximar da carreira que você busca.
Domine pelo menos um idioma além do português. Essa é uma das poucas exigências objetivas: inglês fluente é praticamente essencial. E, se puder, invista em um segundo ou terceiro idioma, como espanhol, francês ou árabe. Isso abre portas e te ajuda a se comunicar com diferentes realidades. Seja curioso e comprometido. Não espere que o conhecimento venha pronto no seu colo. Leia, estude, acompanhe o que as organizações estão fazendo, entenda os temas, como mudanças climáticas, deslocamento forçado, financiamento humanitário, agendas globais. Seja alguém que propõe e resolve. Cuide do seu “porquê”. Trabalhar no setor humanitário pode ser lindo, mas também é duro. Envolve sacrifícios pessoais, contextos difíceis, sentimentos de impotência. Por isso, lembrar todos os dias por que você faz o que faz é o que vai te manter de pé e de coração inteiro. Por fim, não tente ser o que você acha que “esperam de você”. Seja honesto com a sua trajetória. O sistema internacional precisa de pessoas reais, com vivências diferentes, com sotaques diferentes, com origens diferentes. O que te diferencia é justamente a tua história, então valorize ela.
Quais canais você indica para quem quer ajudar o trabalho da Agência? Qual a importância dessas doações?
Isadora: A resposta humanitária, muitas vezes, acontece longe dos olhos do público. Trabalhamos em contextos distantes, que raramente aparecem no noticiário. E isso contribui para que as necessidades sejam invisibilizadas, mesmo quando são urgentes. Um exemplo claro é aqui em Moçambique. Neste momento, o ACNUR dispõe de apenas 41% dos recursos necessários para responder às necessidades identificadas, isso mesmo depois do deslocamento recente de mais de 50 mil pessoas só em Cabo Delgado. Ou seja, enquanto as necessidades aumentam, o financiamento infelizmente não acompanha. É por isso que, além das contribuições dos grandes doadores, como os governos e fundos multilaterais, também contamos com o apoio individual. O ACNUR no Brasil, por exemplo, tem uma plataforma segura e prática para doações: basta acessar doar.acnur.org. Lá é possível fazer uma doação única ou mensal, escolhendo o valor que quiser contribuir. Talvez você já tenha visto campanhas como a #ComidaParaViagem, que mostram que, com o valor de uma pizza, é possível alimentar uma família de refugiados por um mês. Pode parecer pouco, mas para quem perdeu tudo, significa recomeçar com dignidade.
E não se trata só de Moçambique. Hoje, mais de 120 milhões de pessoas em todo o mundo foram forçadas a deixar seus lares por causa de guerras, perseguições e violações de direitos humanos. O ACNUR atua em 135 países, oferecendo abrigo, proteção, atendimento médico, acesso à educação, água potável e apoio psicossocial. Esse trabalho só é possível com o apoio de pessoas como você. Doar também é uma forma de agir. De fazer parte. De transformar realidades. Além disso, fica o convite para acompanharem o trabalho do ACNUR em nossas páginas oficiais tanto no Brasil (Instagram), como em Moçambique (X). Ou mesmo o meu trabalho através do Linkedin, onde sempre posto atualizações semanais.
🎥Vídeo: confira um pouco da rotina de trabalho da Isadora na missão em Moçambique.
Texto: Helton Costa e Gabriel Spenassatto | Fotos: Isadora Zoni/Arquivo pessoal
