

Uma menina nascida em Itapetininga (SP) e criada pelas avós. A bolsista que, por curiosidade e determinação, veio estudar na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Uma advogada de sucesso especialista em cidadanias europeias, direito imobiliário, regularização de imóveis e leilões que já esteve em diversos países e palestrou Brasil afora. Aos olhos do mundo, uma profissional de sorte. No seu próprio olhar, uma pessoa determinada a realizar sonhos. No dia do Estudante e dia do Advogado, a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) destaca a trajetória de Rachel Ordoño Minicò, egressa do curso de Direito que sempre acreditou que a educação seria o seu passaporte para o sucesso.
A infância
Rachel foi criada pelas suas duas avós, uma vez que seu pai faleceu enquanto sua mãe ainda estava grávida. Durante a semana, ficava com a avó materna; aos finais de semana, com a avó paterna, que recebia uma pensão pela morte do filho e foi capaz de pagar pela educação da neta. A menina cresceu sabendo que a única forma de melhorar de vida era a educação e não poupou esforços para conseguir realizar seus sonhos.
A egressa foi bolsista até o terceiro ano do ensino médio. Dedicada, quanto mais estudava, mais percebia a necessidade de mudar o rumo da sua vida. “Toda vez que eu ficava angustiada, eu estudava mais”. Como não havia a possibilidade de escolher uma faculdade particular, Rachel dedicou-se a buscar opções de universidades públicas.
A chegada à UEPG
O ano era 1996 e não havia internet. O material disponível para estudo eram ‘cadernos do vestibulando’, produzidos especificamente para o vestibular de cada universidade. “Quando eu estava no segundo ano do ensino médio, minha mãe dava aula em Itapeva [cidade vizinha] e deu um jeito de pagar para eu prestar o vestibular na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba”. Começavam aí as andanças da jovem Rachel em busca das oportunidades fora de sua cidade natal.
“Eram questões de somatória, eu nunca tinha visto esse tipo de questão! Para nós, foi tudo muito diferente e muito difícil”, recorda. Durante a ida para Curitiba, o ônibus de Rachel parou numa praça para que os viajantes pudessem tomar um café. Ela, que havia viajado sozinha, viu uma faixa com uma propaganda do vestibular da UEPG. “Eu pensei: opa! Tem uma faculdade pública aqui? Vou pesquisar!” Ao voltar para Itapetininga, a estudante pediu o caderno do vestibulando da UEPG para a sua mãe, que achou estranho o desejo da filha. “Ela disse: nossa, mas nunca ninguém daqui prestou UEPG. E eu respondi: eu serei a primeira”.
Rachel não só prestou e passou na UEPG, mas também o fez para Ciências Econômicas na UFPR. “Eu tinha a ideia, olha só, de fazer ciências econômicas pela manhã, viajar e fazer Direito à noite”, conta, com humor. “Óbvio que me tiraram com isso da cabeça e eu acho que foi a melhor coisa, né? Porque eu não ia viver nesses 5 anos”. Rachel finaliza: “eu tinha visto uma faixa e acabei indo pra UEPG sem nem conhecer a cidade, mas eu falei ‘vai ser o meu lugar’ e foi o que aconteceu. Entrei no vestibular em 1997 e me formei em 2001”.
A escolha – e a paixão – pelo Direito
O Direito aconteceu na vida de Rachel desde que ela era criança. Inspirada pelo tio, promotor de justiça, ela escolheu a profissão que a levaria para o mundo. “Eu achava muito chique”, explica, “afinal, eles eram a parte da família que deu certo, né? Ele fazia bastante tribunal do júri, saía no jornal…”.Curiosa, Rachel enchia o tio de perguntas e acreditava que, se cursasse Direito, iria “melhorar de vida”.
No início, queria ser promotora, juíza e prestar concurso público na sua própria cidade, em busca de estabilidade. “Mas chegando na universidade, tudo muda, né? Quando você inicia num curso, as matérias são muito complexas para sua idade”, afirma. “Você ainda é uma adolescente, não tem um conhecimento profundo sobre aquilo então, de repente, você tem uma complexidade enorme!”
Deparar-se com essa complexidade fez com que a menina Rachel entendesse que a carreira no Direito exigia um mergulho. “O curso é pesado e nos faz refletir sobre tudo na vida: sobre as normas, sobre a legislação, sobre o que é justo, o que não é justo, o que é moral, o que é ético…”, conta a egressa, que relata uma preocupação que tinha desde cedo: será que ela estava no caminho certo?
Ao longo da faculdade, Rachel mergulhou profundamente nos estudos e percebeu que, por mais que ela almejasse a estabilidade de um concurso público, na verdade “não queria estar presa às algemas de ouro”, queria ser advogada – o que, aos olhos da família, soou como um fracasso. “Para minha família isso seria algo como se eu falasse ‘eu não tô fazendo o que vocês planejaram para mim’”, comenta. Na visão dela, o concurso a tiraria da pobreza, mas também impediria que ela buscasse possibilidades de conhecimentos em áreas diferentes. “Eu ia acabar estagnada, acho que ficaria doente”, completa. Rachel, então, decidiu enfrentar o mundo e seguir o próprio caminho.
A maternidade e o mercado de trabalho
Tomar a decisão de enfrentar o mundo ficou ainda mais sério quando, ao sair da faculdade, Rachel conheceu seu marido e engravidou do primeiro filho. Recém-formada, ela mudou-se para Curitiba para acompanhar o marido que, na época, fazia residência médica. “Eu não tinha como abrir mão de cuidar do meu filho que estava para nascer e não ia conseguir me dedicar à minha carreira”, relata ela. “Quando você tá grávida, você acha que vai dar conta de tudo, mas não dá. Eu tinha que cumprir um horário de 44 horas semanais e não queria abrir mão da minha maternidade”.
Para estar presente na vida de seu primeiro filho, Gustavo, hoje com 22 anos, Rachel tomou mais uma decisão importante: afastou-se da empresa especialista em licitações em que trabalhava na época. “Eu me considero uma pessoa que luta por justiça. E a vida é um pouco injusta com as profissionais mulheres, porque o momento que você tem para se dedicar ao seu crescimento profissional normalmente é o momento que você também tem para maternar”, afirma. “Então, muitas vezes nós, que queremos ter filhos, precisamos abrir mão disso ou acabamos preterindo a nossa família ao lado profissional. O homem pode ter filhos quando ele bem entender, né? Já as mulheres não. Essa ‘escolha de Sofia’ é muito desafiadora”.
Uma nova cidade e novos aprendizados
Os anos passaram e novas reviravoltas aconteceram na vida de Rachel. No ano de 2005, a família se mudou para Maringá e ela começou a trabalhar na área de responsabilidade civil do médico, no setor jurídico de um hospital. Depois de um tempo, deixou Direito, teve mais dois filhos e decidiu dedicar-se 100% à família – para ela, esta seria uma diferença verdadeira e significativa que ela poderia fazer na vida dos filhos: estar presente.
“Foi uma escolha acertada da minha parte ficar em casa e ver os meus filhos crescerem”, comenta ela. “Eu tive essa opção e eu não me arrependo disso, mas por outro lado, eu fiquei fora do mercado por muitos anos e isso me frustrava, porque eu era uma promessa, né?”. O desejo de algo a mais, de ganhar o mundo, contudo, permanecia em Rachel. “Eu era uma promessa na escola, eu era uma promessa na época da faculdade e no fim você vai vendo o tempo passar e você só virou uma promessa e não vingou em nada?”. Com a pandemia da Covid-19 e os filhos mais velhos, veio a gota d’água da inquietação: “eu pensei – vou ter que voltar para o mercado de trabalho, mas como?”
A volta por cima
A egressa comenta que além do Direito sempre gostou de imóveis e queria também ter feito Engenharia Civil. Em três momentos, usando economias, arrematou imóveis em um leilão. “Saindo da pandemia, meu marido falou: ‘Rachel, eu vi aqui num podcast o pessoal falando de leilão de imóveis. Você não acha legal?”.
Rachel ficou com isso em mente e, num espaço de quatro dias, ouviu o podcast, entrou para a comunidade de arrematantes, acessou o site da Caixa Econômica Federal e arrematou um imóvel no Rio Grande do Sul. “Aí o meu marido chegou e perguntou o que eu tinha feito”, conta ela, “e eu disse: você não falou que era pra eu arrematar um imóvel? Eu fui lá e fiz”.
Em três meses, o imóvel estava desocupado, reformado e vendido. Nascia, desta forma, uma nova paixão e uma nova missão para Rachel: realizar, a seu modo, os sonhos das pessoas em ter uma casa própria. Ao mesmo tempo, surgia uma grande oportunidade de voltar ao mercado de trabalho exercendo o Direito e gerando renda. “Faço isso por mim e pelas pessoas – todo brasileiro sonha com uma casa própria”, comenta.
Pé no mundo
Além do ramo dos leilões, Rachel tem um escritório de sucesso em Maringá que trata de cidadanias europeias – o Sou Europeu. O que começou com um desafio de Juliana Martin, hoje sócia de Rachel, virou mais um caso de sucesso na vida da advogada. “Ela me disse: Rachel, você sabe fazer cidadania, não sabe? Meu pai falou que a gente deveria abrir uma conta no Instagram e começar a divulgar”.
No início, a egressa duvidou que conseguiriam engajamento. Ela conta que já estava tendo um retorno financeiro bom a partir do direito imobiliário e que não acreditava que alguém além da família dela fosse se interessar pelo processo das cidadanias. “Logo veio o primeiro cliente, depois o segundo, e a coisa começou a tomar uma dimensão tão gigantesca que hoje nós temos mais de 1.300 famílias assessoradas”, celebra Rachel.
Resgatando seu início de carreira, os desejos que tinha quando criança, Rachel afirma que hoje trabalha com o Direito do jeito que ela sempre quis: realizando sonhos – os da sua criança interior e os de milhares de pessoas. Para ela, a vida deu uma guinada aos 45 anos e tudo começou na sala da sua casa. “Eu me reencontrei, recomecei”, afirma. “Tem dias estressantes, é claro, mas o ônus é muito menor do que o bônus, que é ver famílias sendo agraciadas com a sua dupla cidadania, outras famílias sendo agraciadas com a sua casa própria, isso para gente não tem preço”.
Rachel, que se considera uma apaixonada pelo Direito, não tem fotos da sua formatura – na época, a família ainda não tinha condições de adquirir a lembrança. Hoje, celebra a vida ao lado de Gustavo, Alice e Miguel – seus filhos – e de Igor Roszkowski, seu marido. O recado que ela deixa para o futuro é: “nunca desista dos seus sonhos, nunca desista de você. Todos nós passamos por períodos de provação. Pensa na sua criança que também tinha dificuldades, mas tinha mais sonhos. Nesses momentos, lembra de onde você veio e pensa aonde você quer chegar”.
Além da família, a egressa da UEPG comemora sua carreira e seu legado. “A minha vida como profissional do Direito teve alguns hiatos, mas no fim eu consegui retornar e hoje eu realizo o sonho de muitos clientes que acabam se tornando nossos amigos”. Aos acadêmicos futuros colegas de profissão, ela afirma: o Direito é uma fonte inesgotável de conhecimentos e abre um leque de oportunidades, abre a mente, quebra barreiras. Mas é preciso estudar sempre, caso contrário, a pessoa fica para trás. “Não é só decorar o Código Civil, o Código de Processo Civil, o Código Penal: tudo isso pode mudar, mas a essência, que é a base do Direito, não muda. Se você tiver uma base sólida, você vai continuar no Direito e você vai encontrar o seu caminho”.
Texto: Domi Gonzalez. Fotos: arquivo da entrevistada.