



“Chama bastante atenção por onde passa. Ainda mais criança e adolescente”, comenta o seu proprietário, o servidor público Mário Cézar Bronguel. O Fusca azul acompanha Mário em quase tudo. O carro é seu xodó e também faz parte da história da sua família. “Esse Fusca tá na minha família há uns 40 anos”, conta. O veículo era do seu pai, depois que ele faleceu passou para o seu irmão. Até que uma hora ele decidiu trocar por um Fiat Uno, e Mário não teve dúvidas. “Eu não tinha carro, então resolvi comprar o Fusca e estou com ele até hoje.”
Mário mantém o carro com cuidado, e diz que o visual engana: “Ele é de 1974. Não parece, né? Mas já foi feita a pintura, já foi trocado o motor. A cor original dele é um azul clarinho. Daí eu escolhi essa cor aqui que eu acho mais bonita, é famosa.” Segundo ele, manter um Fusca não é uma tarefa difícil. “É fácil arranjar mecânico, todo mundo sabe lidar. Tenho um profissional de confiança que cobra um preço justo.” A manutenção também não pesa tanto quanto a de carros modernos. “Fusca às vezes dá menos problema do que carro novo, e as peças dele são todas baratinhas. Acha fácil.”
“O Fusca é a minha paixão”, afirma Mário. Ele e a esposa têm outro veículo, um Onix, usado para trajetos mais longos. “É melhor não arriscar, se bem que o Fusquinha ainda puxa bem, o motor é muito bom.” O servidor já dirigiu o Fusca até cidades próximas, como São João do Triunfo, Irati e Telêmaco Borba. O mais longe foi para a praia em Caiobá, na Associação dos Funcionários Públicos, um dos seus lugares preferidos para descansar e fazer novas amizades. “Lá tem piscina, tem salão de festa, tem bailinho, bingo. Dá pra jogar sinuca, participar de torneio de bocha. E ainda é pertinho da praia. Eu gosto.”
Mário costuma acordar por volta das sete horas da manhã, toma um banho rápido, um café da manhã, pega o Fusca Azul e parte em direção à UEPG. Quando o dia está mais pesado, procura alguns minutos de silêncio entre as árvores do Campus, um lugar perfeito para alguém tão ligado ao verde. “Meu prazer é estar do lado da natureza, então não tem lugar melhor pra trabalhar. Se eu tô estressado ou meio aborrecido, venho dar uma volta aqui. Chego até a abraçar a árvore”, conta, rindo. “Vão achar que você é louco, mas a árvore tem energia e descarrega todo o estresse. E eu adoro. Meu signo é Sagitário, então combina.” O gosto pela natureza vem da infância. Mário nasceu em Rio Azul, onde viveu até os 12 anos ao lado dos pais e de cinco irmãos, em uma casa com quintal grande, cheio de árvores, galinhas e horta.
Servidor público desde 1989, ele próprio plantou dezenas de mudas no Campus da Universidade, num período em que o local ainda era pouco arborizado. “Dá um orgulho de ver essas árvores, são muito bonitas”, comenta. Ele se lembra dos locais, das espécies e até dá nomes a algumas. Enquanto caminha pelos arredores do Protocolo, ele aponta para um pé de abacate, um pé de mimosa e um ipê. Entre todas as espécies, o pinheiro é o seu preferido. “Lá no outro bosque, eu plantei um pinheiro que cresceu duplo. Daí eu dei o nome das minhas irmãs gêmeas, Marta e Maria. E tem mais dois lá que receberam o nome dos meus irmãos, Antônio e João”, relata. “Pra mim, lugar de semente é na terra. Se quiser me deixar alegre, é só me dar uma muda de árvore. Eu gosto de plantar, mas o meu maior prazer é colher”, afirma. Ele conta que já colheu amora e mimosa das mudas que plantou. “Pena que esses pinheiros vão demorar pra dar pinhão, talvez eu não esteja mais aqui”, diz ele, que já tem a idade e o tempo de contribuição necessários para a aposentadoria.


Além das árvores, Mário também é um grande admirador dos pássaros, uma relação tão intensa que marcou o apelido que leva até hoje. “Começaram a me chamar de Mário Canário porque eu vivia assobiando pelos corredores”, relata. O apelido também remete ao período em que foi passarinheiro e chegou a criar mais de 40 aves em casa, encantado pelo canto e pela plumagem. Com o tempo, sua relação com as aves mudou. Mário diz que agora prefere observar o movimento ao ar livre: “Passou aquela minha febre de prender passarinhos, agora eu quero ver eles soltos. Gosto de admirar e ouvir o canto”. No convívio diário, aprendeu a reconhecer diversas espécies, como o sabiá-ferreiro, cujo canto lembra um sino e é o preferido de Mário. “É plim, plim, plim, plim, igual um sininho. E começa a cantar perto do Natal”, diz. Mário comenta que há anos não encontra um sabiá-ferreiro, mas a memória do som continua presente. “Uma vez escutei aqui no bosque da UEPG, mas quase não tem mais”.
A história de Mário com a UEPG começou antes mesmo de trabalhar na instituição. Em 1986 ele se formou em Economia e em 1991 concluiu o curso de Administração. Ingressou como servidor em 1989 na divisão financeira e ainda passou por diferentes setores até assumir uma função no Protocolo Geral, no início dos anos 2000. É desse período que guarda boa parte das memórias da Universidade, quando todo processo precisava ser entregue pessoalmente. “A universidade inteira passava por ali. Aluno, professor, servidor, até os reitores”, lembra. Hoje, com a digitalização, o fluxo diminuiu, mas Mário continua no setor e reconhece que se aproxima de uma nova etapa. “Tá na hora de ir embora também. Deixar a vaga para alguém. Eu já tenho idade e tempo sobrando”, conta.
Se despedir da Universidade, contudo, não é uma tarefa simples. “Aqui eu considero minha segunda família”, afirma. Mário comenta que a rotina atual do setor contribui para um encerramento de carreira sem pressões. “Eu gosto de trabalhar aqui porque agora a gente está numa fase muito boa, está sendo um trabalho leve. Ainda mais eu que estou no fim de carreira, para mim está sendo muito bom, não tenho muito estresse.” O servidor destaca o funcionamento da equipe e fala sobre como o ambiente de trabalho ajuda no seu dia a dia. “Ali no protocolo nós trabalhamos em três, num clima de harmonia, de paz. Ali a gente tem costume de rezar o terço, porque são todos católicos. Então é um clima bem familiar, bem gostoso”, comenta
A decisão de se aposentar está ligada principalmente à saúde. “Agora a saúde não tá boa, então ano que vem eu tenho que dar prioridade pra isso. Ficar mais tempo com a esposa também, curtir mais com ela”, diz. Com a aposentadoria, Mário tem novos planos, como viajar, ajudar a cuidar do sítio dos sogros em Irati e seguir próximo da natureza que o acompanha desde a infância. “De repente fazer uns cursos de inglês, alguma coisa assim que eu goste. Tem que sempre inventar alguma coisa, não dá para ficar parado”, afirma. Mário fala sobre essa fase com tranquilidade e atenção ao presente. “Não sei quantos anos de vida eu tenho, se serão mais 5 anos, mais 10 anos. Só Deus sabe. Então, procurar viver bem o dia a dia, e quando tiver que partir, a gente vai partir. Fazer o quê? Estamos aí para cumprir a missão.”
Há cinco anos, Mário enfrenta uma luta contra o câncer de próstata. Ele explica que aprendeu, ao longo desse período, a importância de cuidar da saúde. “A melhor coisa é a prevenção. Melhor remédio, melhor cura, maior amor que uma pessoa pode dar pra si mesmo é o cuidado”, afirma. Segundo ele, muitos homens tendem a morrer mais cedo por falta de prevenção e por não irem ao médico com regularidade. “As mulheres se cuidam mais. Pode reparar nos casaizinhos mais velhos, geralmente é o homem que morre primeiro, porque ele não se cuida. E as mulheres já estão acostumadas a se cuidar mês a mês. E elas vivem mais. Se bem que todo mundo tá na mão de Deus.”
Durante anos, Mário combinou o trabalho na Universidade com turnos como garçom para completar a renda e pagar o apartamento financiado onde mora. “Eu trabalhava bastante e não tinha esse costume de fazer os exames preventivos ano a ano”, relata. O primeiro sinal do problema foi a ardência ao urinar, pouco antes da pandemia. Foi quando resolveu fazer o exame de toque. Ele recorda as palavras do médico: “Ele me disse que a próstata do homem quando está sadia tem que estar molinha igual gelatina. Se tiver dura, como era o meu caso, está com problema. Por isso que ardia, queimava e tava muito inchada.” A biópsia confirmou câncer maligno e apontou que 85% da próstata já estava comprometida. “Se eu demorasse mais um pouco, não estaria mais aqui, de certo”, diz.
A cirurgia para retirada da próstata foi realizada em junho de 2021, seguida por 35 sessões de radioterapia. Depois disso, Mário passou a acompanhar com regularidade os níveis de PSA (Antígeno prostático específico), um indicador essencial para entender se a doença está controlada. Com o tempo, o PSA voltou a subir e o primeiro remédio deixou de fazer efeito. Depois, diante da progressão da doença, os médicos propuseram um bloqueio duplo. Ele descreve o tratamento: “É tomar quatro comprimidos, em jejum. Esse remédio custa uns R$ 4 mil, mas pelo SUS é de graça, eu tô na terceira caixinha já. Esse remédio serve para cortar o efeito da doença, para a doença não avançar, para ela estabilizar.” Em maio deste ano, ele passou por outra cirurgia e ficou dois meses de licença médica. “Era só eu ficar em pé que já começava a arder e queimar. Fiquei dois meses deitado”, recorda.
Exames posteriores indicaram que o câncer avançou para os ossos. Ele descreve o exame de cintilografia e o resultado: “Você deita na maca e não pode se mexer, fica igual um soldadinho lá. Então um aparelho vem te escaneando… Aonde tem lesão e onde tem doença, aparece pontinho preto. No meu caso, tinha manchas pretas.” A última radioterapia que fez foi no fêmur e na costela, em função de dores que sentia. Em outubro, passou por nova sessão de radioterapia no joelho, na perna e na costela; depois ficou cerca de três semanas em casa para descansar, e relata os efeitos colaterais: “A doença deixa a gente fraco, você não dorme direito, fica irritado. Mexe com o teu equilíbrio.”


Ele lamenta ter demorado tanto a procurar ajuda. “Fui pelo caminho da dor, quando o bicho tava pegando”, relata. Hoje, busca alertar outros homens para que não repitam o mesmo erro. “O que eu passei, eu não quero que os outros passem”, afirma. Por isso, insiste que a prevenção não pode esperar. Que a saúde, como ele costuma dizer, é a maior riqueza que alguém pode ter. “Se eu fosse mais cuidadoso e todo ano fosse fazer exame de toque, eu teria evitado isso”, diz. Para ele, o tabu em torno do tema é um problema. “Tem que ter a mente aberta e não ficar com esses tabu aí: ‘Ah, sou homem, sou macho, ninguém me toca’. Isso é tudo bobagem, é um atraso para a saúde.”
Ao falar sobre o tratamento, Mário sempre destaca o papel da equipe de saúde que o acompanha. Entre os profissionais está a assistente social Bruna Carolina Pawlak, que atua na oncologia. Ela descreve como é o contato diário com quem passa pelo tratamento contra o câncer e diz que trabalho envolve compreender a realidade social de cada família. “A gente acompanha o paciente desde o diagnóstico e durante todo o período do tratamento”, explica. No cotidiano do serviço, o vínculo criado com os pacientes ao longo das consultas também se torna parte do processo de cuidado. Ela diz que, muitas vezes, o paciente busca apenas uma palavra de apoio ou um gesto simples. “Às vezes eles querem ouvir um elogio, um carinho, um abraço, alguma palavra de conforto. Eu sempre busco trazer o melhor acolhimento possível para que ele se sinta bem durante o tratamento”, relata.
Bruna reforça a importância das ações de conscientização, como as do Novembro Azul, quando a saúde do homem ganha destaque. Ela lembra que a prevenção é o melhor caminho e que quanto mais cedo ocorre o diagnóstico, maiores são as chances de cura. “É necessário procurar o médico e não ter vergonha. A gente está aqui para acolher e para ouvir.” Ela comenta as diferenças percebidas no atendimento entre homens e mulheres. “Para o homem falar que tá doente é mais fora do comum. Tem essa questão de não querer se abrir, de achar que precisa ser forte o tempo todo”, conta. Por isso, o acompanhamento multidisciplinar inclui o suporte psicológico. “A gente sempre tenta trabalhar essa questão com eles. Não é porque ele é homem que não tem que ser cuidado. Não precisa ter vergonha de expor o que está sentindo”.


Ao falar sobre os avanços da medicina, Sylvio destaca que a oncologia vive um processo de transformação, especialmente no câncer de próstata, o mais comum entre homens, exceto os câncer de pele e melanoma. “Todo ano sai alguma coisa diferente e está mudando a expectativa de vida”, afirma. “Mesmo que o paciente tenha um câncer de próstata em um cenário mais avançado, a expectativa às vezes são 10, 15 anos”, observa, lembrando que muitos acabam falecendo por outras comorbidades ao longo da vida.
O médico explica que pacientes a partir dos 50 anos precisam manter avaliações periódicas, ou 45 anos caso apresentem fatores de risco. Entre esses fatores, cita os modificáveis, como sedentarismo, tabagismo e alimentação inadequada, e os não modificáveis, como histórico familiar e maior risco de câncer entre pessoas negras. Ao comentar o Novembro Azul, Sylvio reforça que a campanha vai além do câncer de próstata: envolve autocuidado e atenção integral à saúde masculina. Segundo ele, esse cuidado inclui consultas médicas regulares, alimentação saudável e atividade física, práticas essenciais para manter qualidade de vida durante e após o tratamento.
Sylvio explica que um dos principais desafios é a resistência dos homens em procurar ajuda médica, especialmente quando se fala em prevenção do câncer de próstata. “Eu brinco assim, o homem costuma ir ao médico em três situações. Uma quando é bebê ou criança, porque não tem que querer, a mãe traz. Quando é idoso e já está acamado. E quando o bicho tá pegando”, diz. Para o médico, muitos homens evitam o exame por acreditarem que isso afetaria sua masculinidade. Ele alerta que essa resistência compromete o diagnóstico precoce. “Muitos só topam fazer o exame de sangue. Infelizmente, os estudos mostram que apenas o exame de sangue não é suficiente para conseguir diagnosticar essa população que tem câncer. Então, é necessário tanto o exame de sangue quanto o exame de toque. É um exame rápido, praticamente indolor, feito por profissionais capacitados para isso”, explica.
O médico também explica que a combinação dos exames aumenta significativamente a precisão do diagnóstico. “Só fazendo o PSA é por volta de 40 a 50%. E fazendo o PSA mais o exame do toque, isso aumenta para 70%, 80%”, afirma. Ele complementa dizendo que a equipe de saúde avalia diversos parâmetros, que podem exigir exames complementares. Em casos de suspeita clínica, a confirmação vem pela biópsia. Sylvio lembra que a maioria das alterações se revela benigna, mas sempre precisa ser avaliada por um especialista. O objetivo é identificar a doença ainda restrita à próstata, quando “as chances de cura são altíssimas”.


Gratidão e perdão são palavras que Mário repete com frequência para não se deixar abater, e apesar das dores, busca ser positivo. “Eu sou uma pessoa alegre, vivo assobiando. Agora o passarinho tá doente, meio pesteado. Às vezes me perguntam: Mário, como é que o senhor tá?. Eu falo: Tô baleado, mas tô dando tiro. Quero dizer que eu não tô muito bem de saúde, mas tô forte”.
Texto: João Pizani | Fotos: Aline Jasper, Gabriel Miguel e João Pizani















