

A produção tradicional da erva-mate sombreada no Sul do Brasil passou a integrar a lista dos Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (Sipam), reconhecimento concedido pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). A cerimônia ocorreu na sede da instituição, em Roma, com participação de representantes do governo brasileiro, de comunidades produtoras e de instituições parceiras, entre elas, a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
A professora Alessandra Izabel de Carvalho, do Departamento de História, integrou a comitiva e representou a Universidade no evento. Ela afirma que participar da cerimônia é resultado de um trabalho longo e coletivo. “Primeiro, foi emocionante estar junto com os parceiros recebendo o reconhecimento, pois ao todo, desde que soubemos do Sipam e começamos a trabalhar nos documentos requeridos para a candidatura, depois mais o tempo da avaliação até o resultado, foram 5 anos. E estar lá, representando a Universidade, foi uma honra, pois ela sempre nos apoiou”, conta.
De acordo com a professora, o reconhecimento reforça a importância dos sistemas tradicionais e agroecológicos da erva-mate sombreada, praticados majoritariamente por agricultores familiares. Ela lembra que esta é apenas a segunda certificação Sipam concedida ao Brasil, e uma das poucas na América Latina. “O Sipam da erva-mate sombreada é o segundo reconhecido do Brasil e o nono da América Latina. Apenas 102 sistemas em 29 países foram reconhecidos como patrimônio agrícola mundial, ou seja, é sem dúvida um feito bastante louvável, sobretudo para os erveiros tradicionais e agroecológicos que são os verdadeiros protagonistas desta conquista”, explica.
A distinção da FAO considera não só a relevância agrícola, mas também os aspectos culturais, ambientais e sociais associados à produção sombreada. A professora ressalta que o sistema agrega serviços ecossistêmicos essenciais, como preservação da Floresta com Araucária e conservação da agrobiodiversidade. “O reconhecimento é isso, reconhece que os sistemas tradicionais e agroecológicos de erva-mate são únicos e fundamentais para a preservação de uma paisagem ímpar e de uma cultura que está intrinsecamente relacionada à nossa soberania e segurança alimentar”, afirma.


Ela destaca que o cultivo tradicional envolve não apenas técnicas agrícolas, mas práticas culturais transmitidas entre gerações. “As práticas associadas ao cultivo tradicional da erva-mate resultam de saberes acumulados ao longo do tempo, forjados nas interações com a natureza e o trabalho rural”, afirma. Esse modelo, diz Alessandra, conecta produção de alimentos, preservação ambiental e continuidade cultural, constituindo uma importante fonte de autonomia econômica para as famílias.
A entrega do Sipam reuniu representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), do Ministério das Relações Exteriores, de órgãos ambientais e de comunidades produtoras. A participação dos agricultores também foi assegurada com apoio da FAO. A professora relata que houve esforço das instituições para viabilizar a presença da comitiva. “Houve grande empenho por partes de integrantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário para assegurar a participação, além de um agricultor representante do sistema que foi bancado com recursos da própria FAO, de mais duas agricultoras na comitiva”, conta.
Embora nem todos os pesquisadores envolvidos no projeto pudessem estar em Roma, Alessandra destaca que a conquista é coletiva. Ela complementa que integraram a comitiva três agricultores; o representante do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Anésio da Cunha Marques; a representante do MDA, Maristela Mattos; e a coordenadora do projeto, Evelyn Nimmo, professora da Universidade de Alberta e do PPGH/UEPG. O professor Robson Laverdi, também do PPGH/UEPG, participou do desenvolvimento do projeto e da pesquisa que embasou a candidatura, embora não tenha participado presencialmente da cerimônia de reconhecimento.
Segundo ela, o clima entre os brasileiros foi marcado por reconhecimento e responsabilidade. “O sentimento era um misto da mais pura alegria, honraria e responsabilidade, pois tínhamos clareza que estávamos ali representando as 400 famílias e os 11 municípios signatários da candidatura, assim como as 32 instituições que compõem o Observatório dos Sistemas Tradicionais e Agroecológicos da Erva-mate”, afirma.

Com o reconhecimento, inicia-se agora a fase de implementação do Plano de Ação de Conservação Dinâmica (PACD), elaborado com participação de agricultores, instituições parceiras e comunidades locais. “A próxima fase é a implementação do Plano de Ação de Conservação Dinâmica, esse é o compromisso do reconhecimento que assumimos com a FAO. Já estamos trabalhando nisso com muito afinco, buscando estabelecer parcerias com setores públicos e privados, concorrendo em editais de financiamento de pesquisas”, explica Alessandra.
A docente destaca que a Universidade atua em iniciativas nacionais e internacionais voltadas à história, cultura e sustentabilidade relacionadas ao sistema. “Seguimos desenvolvendo e orientando pesquisas vinculadas à história da erva-mate sombreada e coproduzindo conhecimentos com os nossos parceiros do campo. No momento, integramos uma pesquisa internacional na qual estamos estudando os sistemas alimentares locais vinculados aos sistemas tradicionais de erva-mate”, afirma.
Alessandra reforça ainda o papel das universidades públicas na preservação dos patrimônios brasileiros. “As universidades públicas desempenham um papel essencial na preservação e divulgação dos patrimônios brasileiros, atuando como promotoras do conhecimento e da diversidade cultural e ambiental do país”, diz. Para ela, o trabalho conjunto entre as comunidades tradicionais e as instituições fortalece políticas de memória, identidade e sustentabilidade.
A UEPG é uma das 32 instituições signatárias do Observatório dos Sistemas Tradicionais e Agroecológicos da Erva-mate, responsável pela candidatura reconhecida pela FAO.
Texto: Mariana Real | Fotos: Arquivo Pessoal
