Projeto de extensão cuida dos animais comunitários da UEPG

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“Pra quem gosta e tem empatia pela causa animal, ver o abandono e o sofrimento dos animais é algo que dói na alma”, afirma a servidora da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) Lúcia Garrido, integrante do projeto de extensão Cão Comunitário. Ela é responsável pelo cuidado aos animais, uma das três frentes do projeto, que trabalha para garantir alimentação, água fresca, castração e atendimento veterinário aos cães comunitários que residem no Campus Uvaranas da UEPG. Vinculado ao Departamento de Pedagogia, o projeto conta com a participação de alunos, servidores e pessoas da comunidade externa que atuam de forma voluntária para dar uma vida digna aos cães comunitários e conscientizar a população sobre os direitos dos animais.

Nascida em São Paulo, Lúcia conta que a sua relação com os animais vêm desde a infância, já que cresceu num ambiente em que a presença dos bichos era constante. “Eu tive coelho, gato, cachorro então… nem se fala, sempre tinha um por perto. Então é uma característica da minha família, mesmo. Cada animal que partia, a gente chorava muito, e não era só eu, minha mãe e meu pai também”, relembra. 

O envolvimento mais direto com a causa animal aconteceu depois da mudança para Ponta Grossa. Até então, era apenas uma simpatizante. “Eu vim para Ponta Grossa em 1999 e fiquei horrorizada com a cidade, porque em São Paulo não tinha tantos animais de rua como aqui, e a atuação de ONGs é muito forte. Quando eu vim para a UEPG, eu ficava angustiada de ver tantos cachorros por aqui, e na época eles não eram bem cuidados como são agora”, comenta. 

Projeto de extensão

O projeto Cão Comunitário foi formalizado em 2022, mas a presença dos animais no campus já era acompanhada por voluntários muito antes disso. “Os nossos cães comunitários vivem aqui há muito tempo. Pela minha afinidade, eu comecei a cuidar dos cães de alguns setores, porque cada setor era cuidado por uma determinada pessoa. Nós tínhamos um grupo que atendia esses animais, e já fazia o trabalho de encaminhar para adoção, veterinário e castração, mas não era vinculado a nenhum projeto específico, eram só simpatizantes”, relata Lúcia. Essa rede de apoio contou também com o envolvimento do Grupo Fauna, organização da qual a servidora participa há 15 anos e que mantém vínculo direto com o cuidado aos cães que circulam pelo campus da UEPG. Além disso, Lúcia também acolhe em sua residência 16 animais resgatados.

A pandemia de Covid-19 trouxe novos desafios e acabou sendo um dos pontos de virada para a criação do projeto. Com a suspensão das atividades presenciais, os voluntários que frequentavam o campus não conseguiam mais manter a rotina de cuidados, mas os animais não podiam ficar sem alimentação. “Então a gente se dividiu num grupo de cinco ou seis pessoas e fomos nos revezando. Só que é cansativo, e a gente não dava conta”, lembra. Nesse momento, o grupo buscou apoio institucional da Universidade. “A gente se reuniu com o reitor, Miguel Sanches Neto, que estava em sua primeira gestão, conversamos e ele nos incentivou a montar um projeto. Nunca tivemos essa abertura antes”, afirma.

Para Lúcia, a criação do Cão Comunitário foi fundamental para a continuidade do cuidado aos animais comunitários. “Nós conseguimos muita coisa com o projeto. Aliás, o projeto pra mim é tudo, porque eu não sei o que eu faria com esse número de cães que tem na UEPG se não fosse o projeto”, reflete. Ela destaca que, embora o ambiente da Universidade ofereça abrigo, espaço e a atenção de pessoas que circulam pelo campus, o ideal é a adoção responsável. “A gente teoricamente tem aquela visão romântica de que aqui tem um espaço grande e eles estão sendo cuidados, então vão ser animais felizes para sempre. Não existe isso”, afirma. 

Direitos dos animais

Segundo a professora Gisele Brandelero Camargo, coordenadora do projeto de extensão, o número de cães que se estabeleceram na UEPG reflete um problema social do município de Ponta Grossa. “O campus é uma amostra da sociedade ponta-grossense. É impossível andar pelos bairros da cidade e não encontrar cães na rua, às vezes filhotinhos, que não são castrados, estão com sarna, doentes ou até morrendo, sem uma vida digna. Nós queremos mudar isso. Nós desejamos muito mudar essa cultura no nosso município”, afirma.

Assim como Lúcia, a professora Gisele também relata que ficou “indignada” quando se deparou com a situação dos animais abandonados em Ponta Grossa. “Fazem 15 anos que eu estou aqui, vim de uma outra cidade que tinha uma outra cultura, um outro tipo de manejo com os animais. Quando eu cheguei, me impressionei de forma bem ruim com a forma como os animais são tratados nessa cidade: abandonados à própria sorte, passando fome, sendo maltratados”, relata. Natural de Campinas (SP), mas vinda de Blumenau (SC), Gisele destaca a diferença de contextos. “Lá a gente não vê esse tipo de coisa, existe uma política pública muito séria que protege os animais, com feiras de adoção, castração em massa. Então você não vê cachorro na rua, e quando vê geralmente tem dono e está perdido. O que acontece em Ponta Grossa é uma cultura de maus-tratos e de abandono. E isso mexeu muito com a minha sensibilidade”, afirma.

Esse choque com a realidade fez com que Gisele assumisse a responsabilidade de acolher animais em situação de vulnerabilidade. “Hoje eu tenho na minha casa oito cães e três gatos que foram adotados da rua. Só não tenho mais porque eu não tenho logística suficiente para manter esses animais bem cuidados na minha casa”, relata. A dedicação vai além dos que já vivem em sua casa: ela também se preocupa em alimentar os cães que circulam pelas ruas do bairro onde mora. “Não faço isso porque eu sou uma pessoa boa, não é essa a questão. A questão é que eu sou sensível à causa”, afirma.

Cuidar desde cedo

Além do cuidado aos cães comunitários, o projeto possui outras duas frentes de atuação. Uma delas aposta na educação como forma de conscientizar sobre o direito dos animais e mudar o comportamento social em relação ao abandono e maus-tratos. O grupo desenvolve ações voltadas a crianças da rede municipal, levando histórias, jogos e músicas que incentivam o respeito e o cuidado com os animais. “Nessa frente de ações educativas, a gente já produziu dez livros de histórias infantis, que nós imprimimos em parceria com editoras. Todos têm a temática dos animais, com histórias inspiradas em fatos reais, vivenciadas por pessoas do projeto”, explica Gisele, que também é a autora dos livros.

Esses livros, como “Missy, a gata corajosa” e “Acorrentar não faz bem”, fazem parte da série História Sem Fim, que convida as crianças a refletirem sobre situações de abandono e responsabilidade. “Nós contamos uma história e fazemos uma problematização, motivando as crianças a pensar sobre a questão do animal. No final, trazemos uma situação-problema para elas criarem o desfecho. Por isso o nome da série, as histórias não têm final, quem cria o final é a criança”, conta Gisele.

O processo envolve também estudantes de Artes Visuais da UEPG, que produzem as ilustrações originais. Os livros foram doados a escolas municipais e CMEIs. “Eu entendo, sendo pedagoga, que a criança consegue ser competente, criativa e produtora de conhecimento. Pensando nisso, construímos histórias com linguagem acessível e ilustradas por nossos próprios acadêmicos”, explica.

Além dos livros, a equipe desenvolve jogos pedagógicos e composições musicais voltadas à conscientização, que são levadas às escolas e disponibilizadas gratuitamente. “Nós temos seis músicas criadas, quatro já gravadas e disponibilizadas no YouTube. Eu componho, canto e gravo com o pessoal do curso de Música, que também integra o projeto”, detalha Gisele. As músicas do projeto podem ser acessadas pelo canal Cão Comunitário UEPG no YouTube.

As visitas às escolas acontecem semanalmente. “Chegamos lá, conversamos com as crianças, cantamos, brincamos, contamos uma história e elas desenham o final. Depois, fazem um compromisso de ser protetoras dos animais”, relata. As canções, afirma Gisele, ajudam a provocar empatia de forma natural. “São músicas que fazem a criança parar e pensar: ‘Poxa, eu tenho meus cachorros, cuido bem deles, mas tem alguns que vivem na rua, nem todos têm ração fresca, água fresca ou uma coberta gigantesca’. Então, vamos cantar o bem, vamos propagar o bem, vamos convencê-las pelo lado lúdico”, resume.

Para ela, a esperança está nas novas gerações. “Nós temos que mudar os adultos, sim, mas a criança, quando vem com esse convencimento desde a infância, vai se tornar uma adulta que tem uma cultura já estabelecida de cuidados e bons-tratos com os animais. É isso que buscamos”, afirma.

Parceria com a OAB

A terceira frente do projeto se dá em parceria com o Observatório de Bem-Estar Animal (Obea), criado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), subseção de Ponta Grossa. A iniciativa reúne profissionais de diferentes áreas para monitorar, fiscalizar e propor soluções para a proteção dos direitos dos animais.

“O Observatório surgiu este ano, e essa parceria foi muito inovadora para nós. O Observatório é um órgão muito ativo dentro da OAB, construído por vários profissionais que são nossos parceiros. Já realizamos várias ações em conjunto, como visitas a escolas, um movimento dentro da OAB para acolher as crianças e outras ações de conscientização”, explica Gisele.

Segundo ela, o grupo atua no acompanhamento permanente das ações voltadas ao bem-estar animal. “O Observatório acompanha as decisões jurídicas, as políticas públicas e as ações feitas em prol dos animais em Ponta Grossa e nos arredores, observando se tudo está sendo feito legalmente, dentro daquilo que se espera nas políticas públicas”, completa.

Participação de alunos

Mais do que uma atividade de extensão, o projeto faz parte do cotidiano de quem participa, e os estudantes da UEPG são fundamentais para manter as ações de cuidado e de educação. A aluna de Bacharelado em Biologia, Isadora Marinque Fonseca, conheceu o Cão Comunitário pelas redes sociais da UEPG, logo no início da graduação. Isadora conta que sempre conviveu com animais e que o cuidado com eles vem de casa. “Eu amo os animais desde pequenininha. A minha mãe sempre foi de pegar qualquer bicho que tinha, eu já tive de tudo: passarinho, coelho, gato, cachorro. Eu cresci quase num zoológico”, brinca. Atualmente como bolsista do projeto, ela integra a frente de cuidado aos cães e divide o tempo entre as aulas e as tarefas vão desde a limpeza e alimentação até o acompanhamento de casos de saúde. “É um trabalho diário, nunca acaba”, diz.

O projeto de extensão é formado por cerca de 25 participantes ativos, mas o número ainda é pequeno diante da demanda. “Mesmo com muita gente ajudando, ainda falta gente, porque é muita coisa”, relata Isadora. Segundo ela, o projeto também conta com apoio de professores, especialmente nos fins de semana, quando a presença dos alunos no campus é mais difícil. A estudante ressalta que, além do cuidado cotidiano, o projeto garante que os cães sejam castrados, vacinados e acompanhados de forma contínua. “Hoje em dia, dos nossos cachorros contabilizados, não tem nenhum que não é castrado. Às vezes aparece um perdido ali, mas a gente pega, leva para castrar e dá vacinação e medicação necessária”, destaca.

Bruno Custódio, também aluno de Biologia, conheceu o projeto logo no primeiro mês de graduação. “Quando vi uma campanha do Cão Comunitário no mesmo dia eu já tinha ido junto com a Lúcia buscar um cachorro que estava machucado. Desde então, nunca saí do projeto. Foi uma linda história de amor. Gosto muito dos animais, eu escolhi biologia por causa dos bichos”. Ele atua na frente de ações educativas, que leva informações sobre cuidado e bem-estar animal às escolas municipais.

O estudante explica que o trabalho com as crianças é feito de forma lúdica, com músicas, brincadeiras e materiais didáticos. “Você não pode chegar dando uma palestra, porque elas não prestam atenção. Então a nossa abordagem é mais dinâmica. É muito legal ver crianças de cinco anos saindo das atividades sabendo o que é castração e por que ela é importante.” Para Bruno, o objetivo é ajudar a formar uma nova consciência sobre o abandono. “É algo cultural mesmo. E quando o povo não conhece a lei, a lei não existe. Ninguém sabe que não pode abandonar, que não pode maltratar. O trabalho com as crianças é uma forma de começar na base.”

Isadora tem a mesma percepção. “Às vezes a gente acaba desanimando agora, achando que não vai fazer diferença. Mas vai, porque lá atrás os nossos pais não tiveram isso, essa oportunidade de aprender que o animal tem direito de estar ali e ser cuidado.”

Políticas públicas

Bruno e Isadora participaram, em setembro, da 2ª Conferência Municipal de Proteção e Defesa dos Animais, realizada no auditório do Campus Central da UEPG, um encontro teve como objetivo definir diretrizes para políticas públicas voltadas à causa animal em Ponta Grossa, onde conheceram experiências bem-sucedidas de outras cidades. “Em Maringá, por exemplo, todos os cães de rua são cadastrados, castrados e acompanhados. Eles têm até um aplicativo para monitorar isso. É uma realidade que parece distante, mas que mostra que dá para chegar lá”, diz Isadora.

Lúcia Garrido também participou da Conferência. Segundo ela, a proposta foi reunir representantes da sociedade civil, protetores independentes e organizações não governamentais para encaminhar ao conselho municipal tópicos a serem aprovados como políticas de proteção aos animais. Ela explica que muitas das demandas envolvem a criação de canais de denúncia e o fortalecimento da rede de apoio em casos de maus-tratos e abandono. “Se a gente não tem um canal de denúncia, não tem a polícia nos amparando, a gente não consegue fazer nada”, afirma.

A servidora também menciona a experiência de Maringá, onde há um plano contínuo de castração mantido pelo poder público. Para ela, o controle populacional é importante, mas deve vir acompanhado de conscientização. “Apenas a castração não resolve. O que resolve é a tutela responsável, porque ela inibe o abandono e os maus-tratos”. Ela destaca ainda que a redução do número de animais nas ruas facilita a fiscalização e a aplicação de políticas mais consistentes. “Com um número menor de animais, é possível trabalhar com políticas públicas eficientes. Mas com a quantidade que temos hoje, é como enxugar gelo.”

Bazar do Cão Comunitário

O projeto irá realizar, no dia 7 de novembro, um bazar para arrecadação de dinheiro, uma das ações que são realizadas para manter os custos de alimentação e tratamento veterinário dos animais comunitários. O bazar será das 9h às 20h no Hall do Bloco C, na UEPG Centro.

Até o dia 6 de novembro, o projeto está arrecadando roupas, utensílios domésticos e calçados em bom estado. Os locais de coleta são o Centro Integrar, no Campus Uvaranas, e a sala do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes (Secihla) no Campus Centro (Bloco A, sala 115).

Adoção responsável

Os cães comunitários estão à procura de uma adoção responsável. No perfil do Instagram do projeto Cão Comunitário, é possível ver o nome, a fotografia, a história e as características dos cães que vivem na UEPG. Para aqueles que não têm condições de adotar, mas desejam ajudar um dos quase 40 animais comunitários da UEPG, existe a opção do apadrinhamento. Ao apadrinhar um cão, o padrinho envia um valor mensal para despesas específicas com o animal, como antiparasitários ou cobertas para o inverno, e recebe notícias e fotos do seu afiliado. O processo de apadrinhamento pode ser feito através de contato pelo Instagram

Quem ama não abandona

Essa reportagem faz parte de uma campanha de conscientização da UEPG pelo direito dos animais, pela adoção responsável e contra o abandono.

Texto: João Pizani | Fotos: Aline Jasper e Larissa Godoy


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